sábado, 31 de janeiro de 2009

(21)-CRUZADAS

Quando o monge Pedro o Eremita, na ultima década do XI século, começou a pregar, na Europa, que era o momento de organizar uma “guerra santa” para recuperar Jerusalém das mãos sarracenas, haviam se passado aproximadamente 1000 anos da data em que as tropas romanas haviam destruído aquela cidade. O papa Urbano II concebeu, então, no Concilio de Clermont, a idéia de organizar uma armada poderosa com este objetivo.

Reportando-nos ao século XI, as Cruzadas nos merecem especial referencia, dados os seus movimentos característicos da época.
Desde Constantino, que os lugares santos da Palestina haviam adquirido considerável importância para a Europa ocidental. Milhares de peregrinos visitavam anualmente a paisagem triste de Jerusalém, identificando os caminhos da paixão de Jesus, ou os traços da vida dos Apóstolos. Enquanto dominavam na região os árabes de Bagdá ou do Egito, as correntes do turismo católico podiam buscar, sem receio, as paragens sagradas; mas a Jerusalém do século XI havia caído sob o poder dos turcos, que não mais toleraram a presencia dos cristãos, expulsando-os dali com a máxima crueldade.
Semelhantes medidas provocaram os protestos de todo o mundo católico do Ocidente e, no fim do referido século, prepararam-se às primeiras cruzadas em busca da vitória contra o infiel.
A primeira expedição que saiu dos centros mais civilizados, sob o comando de Pedro, o Eremita, não chegou a ausentar-se da Europa, dispersada que foi pelos búlgaros e húngaros. Todavia, Godofredo de Bouillon com seus irmãos e Tancredo de Siracusa e outros chefes, depois de se reunirem em Constantinopla, demandaram Nicéia, com um exercito 500.000 homens. Depois da presa de Nicéia, apoderaram-se de Antioquia, penetrando em Jerusalém com a palma do triunfo. Ali quiseram presentear Godofredo de Bouillon com a coroa de rei, mas o duque da Baixa Lorena parecia rever o vulto luminoso do Senhor do Mundo, cuja fronte fora aureolada com a coroa de espinhos, e considerou sacrilégio o colocarem-lhe nas mãos um cetro de ouro, quando o Cristo tivera, tão somente, nas mãos augustas e compassivas, uma cana ignominiosa. Depois de muita relutância, aceitou apenas o titulo de “defensor do Santo Sepulcro”, organizando-se logo em seguida as ordens religiosas de caráter exclusivamente militar, como a dos Templários e a dos Hospitalarios.
Os turcos, porem, não descansaram. Depois de muitas lutas, apossaram-se de Odessa, obrigando o papa Eugenio III a providenciar a segunda Cruzada, que, chefiada por Luis VII da França e Conrado III da Alemanha, teve os mais desastrosos efeitos.
Em fins do século XII Jerusalém cai em poder de Saladino. Os príncipes cristãos do Ocidente preparam-se para a terceira cruzada, assinalando-se as vitórias de S. João D´Acre. As lutas no Oriente sucederam-se anos a fio como furações periódicos e devastadores.
A Palestina possuía, até então, os seus recantos maravilhosos de verduras abundantes. A Galileia, era um vasto jardim, cheio de perfume e de flores. Mas tantos foram os embates dos exércitos inimigos, tantas as lutas de extermínio e de ambição, que a própria natureza pareceu maldizer para sempre os lugares que mereciam o amor e o carinho dos homens.
As ultimas Cruzadas foram dirigidas por Luis IX, o rei santo da França que, depois da tomada de Damieta, caiu em poder dos inimigos, pagando fabuloso resgate e vindo a desprender-se da vida terrestre em 1270, defronte de Tunis, vitimado pela peste.
Os mensageiros de Jesus, que de todos os acontecimentos sabem extrair os fatores da evolução humana para o bem, buscam aproveitar a utilidade desses acontecimentos dolorosos. Foi por esta razão que as cruzadas, não obstante o seu caráter anticristão, fizeram-se acompanhar de alguns benefícios de ordem econômica e social para todos os povos. Na Europa a sua influencia foi regeneradora, enfraquecendo a tirania dos senhores feudais e renovando a solução dos problemas da propriedade, conjurando muitas lutas isoladas. Além disso, os seus movimentos intensificaram, sobremaneira, as relações do Ocidente com o Oriente, apenas paralisadas mais tarde, em vista da ferocidade dos turcos e dos invasores mongóis.
Fonte: livro ‘‘A Caminho da Luz “ pelo espírito Emmanuel
e psicografado por Francisco Candido Xavier. “.

As Cruzadas, do ponto de vista do interesse humano, não foram somente expedições militares agenciadas pelo papado com a finalidade de permitir o direito dos peregrinos de ir e vir até o Santo Sepulcro, mas, como veremos, havia muito mais por trás desta idéia: por exemplo, o castigo que a igreja - imitando os exemplos de vingança descritos no velho testamento - julgava que devia aplicar, não somente porque os árabes do seu ponto de vista eram hereges, mas porque estes ousavam invadir seus domínios. Sim, as constantes invasões muçulmanas, e as agressões que praticavam deviam ser respondidas aplicando a lei do olho por olho e dente por dente.
Levítico 26: 14-46 - Mas se não me escutardes e não guardardes os meus mandamentos, se desprezardes os meus preceitos e vossa alma aborrecer as minhas leis, de sorte que não pratiqueis todos os meus mandamentos e violeis minha aliança, eis como vos ei de tratar: enviarei terríveis flagelos sobre vos: a tísica e a febre que empanarão vosso olhar e vos farão desfalecer. Debalde semeareis a vossa semente, porque vossos inimigos a comerão. Voltarei a minha face contra vos e sereis vencidos pelos vossos inimigos: eles vos dominarão, e fugireis sem que ninguém vos persiga. Se nem assim me ouvirdes, castigar-vos-ei sete vezes mais pelos vossos pecados. Quebrarei o orgulho do vosso poder, tornarei o vosso céu como ferro e bronze. Inutilmente se gastará a vossa força, pois vossa terra não dará os seus produtos, e as arvores da terra não produzirão seus frutos. Se me puserdes obstáculos e não quiserdes ouvir-me, ferir-vos-ei sete vezes mais, conforme vossos pecados. Mandarei contra vos as feras do campo, que devorarão vossos filhos etc.
As invasões:
No ano 902 os muçulmanos conquistaram e tomaram a Sicília.
Em 940 tropas muçulmanas assaltaram e destruíram o mosteiro de São Galo, na Suíça.
Trinta e dois anos depois, em 972, outras tropas muçulmanas capturaram e mantiveram como refém o Mônaco de Maiolo - abade de Cluny - figura central do maniqueísmo da época além de ser o conselheiro espiritual e político de duques e Imperadores.
Mais uma vez na Calábria - em 981 - na batalha de Stilo, as tropas muçulmanas destruíram o exercito cristão comandado pelo imperador Romano Ottone I e na região meridional da Itália, por mais de 50 anos, mantiveram um Emirado muçulmano.
Em 997 um outro ataque muçulmano saqueou o mosteiro de Santiago de Compostela na Espanha.
Em 1071, em Manzikert, uma outra grande vitória dos muçulmanos sobre o exercito cristão bizantino, criou um impacto tão grande que persuadiu o imperador do oriente a solicitar ajuda militar ao Papa. Inicia-se assim o mecanismo que leva os cavaleiros às cruzadas. Na contabilidade eclesiástica os mortos eram transformados em mártires e os vencedores eram premiados com o rico botim que conquistavam.
A primeira cruzada, 1096- 1099, em verdade foram duas: a de Pedro o Eremita, que era popular, exterminada pelos húngaros e a outra, poderosamente constituída, conquistou Odessa, Nicéia, Tarso, Antioquia e finalmente Jerusalém, onde Godofredo de Bouillion não aceitou o titulo de rei mas apenas o titulo de “defensor do Santo Sepulcro”.
A segunda Cruzada, 1147-1149, pregada por São Bernardo, foi chefiada por Luis VII da França e Conrado III da Alemanha, mas, em seguida á queda de Odessa em mãos turcas, não teve êxito.
A terceira Cruzada, 1189-1192, pregada depois que o Sultão do Egito, Saladino, esmagou os cristãos em Tiberíades - cidade de Israel na margem ocidental do lago de nome igual - e conquistou Jerusalém, teve dois exércitos; um chefiado pelo imperador romano-germânico Frederico Barba-Roxa que se afogou na Cilícia, o outro pelo rei da França Filipe Augusto que abandonou as cruzadas e regressou ao seu país e por Ricardo Coração de Leão que conquistou Chipre tornando-a um reino Latino.
A quarta Cruzada, 1202-1204, foi empreendida por Bonifácio de Montferrat e Balduino IX de Flandres. Chegados a Veneza foram desviados da sua rota pelos venezianos que lhe impuseram a conquista de Zara e, depois de tomar Constantinopla - devido ao cisma entre Roma e as igrejas orientais - e realizar o monstruoso saque que a história registrou – 1204 - fundaram o Império Latino de Constantinopla que se manteve até 1261.
A quinta Cruzada, 1217-1221, foi organizada por João de Brienne - rei de Jerusalém e por André II - rei da Hungria, mas se limitou a uma incursão infrutífera contra os sarracenos.
A sexta Cruzada, 1228-1229, foi conduzida pelo imperador Frederico II que conseguiu negociar com os muçulmanos um tratado que lhe concedia a posse de Jerusalém por dez anos. Mas a derrota dos cristãos em Gaza -los perder a possessão.
A sétima Cruzada, 1248-1254, foi dirigida por Luiz IX, rei da França, para pagar uma promessa. Depois de ser derrotado em Mansurá, no Egito, devolveu Damieta - a cidade do Egito próximo á costa do Mediterrâneo que havia conquistado- para recuperar sua liberdade.
A oitava Cruzada, 1270, também foi conduzida por Luiz IX. Morreu diante de Tunis – foi santificado - enquanto as cidades da Palestina caiam, uma após outra, em poder dos Sarracenos. A queda de Ptolomeu, em 1291, marcou o fim das cruzadas.
A Cruzada vergonhosa: Ao longo dos 170 anos em que as cruzadas se sucederam, se por um lado havia uma constante necessidade de novos exércitos e comandantes, do outro, buscavam-se avidamente estratégias vitoriosas porque as expedições contra os infiéis - mesmo quando eram coroadas de sucesso – este não era definitivo. Surgiu assim - a historia não esclarece quando ou por quem - à idéia de organizar um exercito de seres simples, humilde como os pobres que haviam conquistado o coração de Cristo em Jerusalém.
Então, alguém encontrou um indivíduo com estas características: chamava-se Stefano e era um pastorzinho de doze anos da cidade de Cloyes. Stefano, em 1212, se apresentou à corte francesa com uma carta que dizia ter recebido diretamente de Jesus? Ela continha a ordem de comandar um exercito de meninos para libertar a terra Santa. “A sinceridade e docilidade dos meninos”, segundo o texto, “seriam as qualidades que os transformaria em vencedores nas regiões em que a experiência dos grandes generais havia falido”. Chegando ao mar, ainda dizia a missiva, as águas se abririam diante deles como se haviam aberto a do mar Vermelho para permitir que os hebreus o atravessassem. Deste modo o exército de crianças alcançaria a terra santa sem ao menos se molhar.
Milhares de crianças responderam ao chamado de Stefano e Nicola - seu par alemão - atraídos pela idéia de uma indescritível aventura fortalecida pela confiança infantil. Seus pais os deixavam partir ou porque estavam convencidos de seu iminente sucesso ou porque partindo haveria uma boca a menor para alimentar.
Não devemos esquecer, no entanto, que naquela epoca no velho mundo um individuo com doze anos já era considerado adulto.
Os dois exércitos partiram para o sul, mas na medida em que terminava o alimento a “energia” dos pequenos soldados de Cristo diminuía de intensidade. A saudade e a fome levavam muitos a desertar e retomar o caminho de casa.
Nicola e a sua tropa germânica chegaram a atravessar os Alpes, mas só uma terça parte do seu pequeno exercito alcançou a Itália. Mesmo assim, atingida á cidade de Genova depois de muitas penas, o mar não se abriu diante deles como havia sido afirmado. Sem outra opção dirigiram-se para Roma, onde, segundo consta, o papa Inocêncio III nada fez para dissuadi-los. Assim, a maioria deles, na ausência de uma proibição, continuaram, mas as água do mar Mediterrâneo mais uma vez permaneceram surdas às suas invocações.
Concomitantemente, o exército de Stefano também alcançara o mar, mas suas suplicas para que os deixasse passar também não foram ouvidas.
Sem perder a fé, porque os padres que os acompanhavam a mantinham acesa, aceitaram a oferta de alguns mercadores que se ofereceram para levá-los em seus navios. Entretanto - depois que as naus desapareceram no horizonte - ninguém mais teve noticias deles. Tempos depois, através dos poucos padres que conseguiram voltar, se soube que as crianças do exercito de Stefano haviam sido vendidas como escravas pelos mesmos mercadores que as haviam embarcado em seus navios.
A cruzada velhaca. Organizada pelo papa Inocêncio III em 1209 e comandada por Simão IV de Monfort, não foi contra os árabes... mas contra os cristãos do ocidente - os chamados hereges de Provença - que nada mais eram do que os cátaros e albigenses já citados, e por extensão contra os cavaleiros Templários.
A historia de Provença começa com as lendas relacionadas à Maria Madalena e, mesmo se estas ultrapassam suas fronteiras, apenas nesta região se podem encontrar os locais associados à sua passagem pela França.
Historias a respeito de Maria Madalena afloram em abundancia por todo o sul da França concentrando-se, particularmente, nas proximidades do sudoeste dos Pirineus e em Areigé, dizendo que foi para esses lugares que ela trouxe o Santo Graal. Como já era de se esperar, essas terras também são morada de grande número de Madonas Negras, em particular nos Pirineus orientais.
“Bem antes das divindades masculinas terem usurpado a religião matriarcal, na época em que se deu o despertar religioso, imperava a religião da Grande Mãe chamada Ishtar, Geia, Ísis - ou com dezenas de outros nomes - que representava a Terra e tinha dois aspectos: um positivo e luminoso, porque representava à fertilidade, a colheita, a abundancia e o ininterrupto ciclo da vida sinalizado pelo nascimento, morte e renascimento, e outro escuro, porque era sinônimo de infertilidade, de carestia e da destruição. Mas é dessa Grande Mãe que derivam todas as virgens negras ou madonnas negras, que segundo alguns são mais de 450 ao redor do mundo” e são cultuadas em inúmeros locais. A padroeira do Brasil, ou seja, a Nossa Senhora Aparecida, pela sua cor, também é uma Madonna negra”.
Seguindo em direção oeste, tendo Marselha atrás de nos, chegamos à região de Languedoc-Roussillon, que já foi à região mais rica da França e hoje é uma das mais pobres. Nessa região despovoada os pensamentos de cada pessoa parecem ecoar sobre a terra reverberando cada vez mais, pouco a pouco, milha após milha, a despeito do numero crescente de turistas que vem sorver sua historia encharcada de sangue e, claro, também do vinho local. E embora nos, como bons europeus, fizéssemos nossa proporia contribuição à economia local, estávamos lá, em primeiro lugar, para examinar o passado.
Em todos os lugares podem-se ver as evidencias da turbulenta historia vivida pela região. Castelos arruinados e antigas fortalezas postas abaixo por ordens de reis e papas, sujam a paisagem e nos falam de brutalidades que ultrapassam até mesmo a propensão medieval de governar por meio da atrocidade. Assim, se existe um lugar na Europa que possa ser lembrado como o lar da heresia esse é Languedoc-Roussillon. E foi esse único fato histórico o responsável pelo empobrecimento sistemático da região. Não levando em consideração regiões como Bósnia e Irlanda do Norte, raramente a religião deixou marcas tão profundas sobre a prosperidade de um país de um modo tão explicito como nessa região.
Antigamente ó Languedoc se estendia da Provença à região entre Toulouse e os Pirineus orientais. Até o século XIII não fazia exatamente parte da França, porque era governado pelo condado de Toulouse que, embora nominalmente devesse submissão aos reis da França, na pratica era, na verdade, mais rico e poderoso.
Nos séculos XI e XII essa região causava inveja a toda a Europa devido a sua civilização e cultura. Sua arte, literatura e ciência eram, sem sombra de duvida, as mais avançadas da época; no século XIII, porem, essa cultura resplandecente foi cortada ao meio pela invasão dos povos bárbaros do norte causando um ressentimento que persiste até hoje. Muitos habitantes ainda preferem chamar a região de Occitanea, seu nome anterior. Essa região, como iríamos descobrir, é dona de uma memória particularmente longa.
O antigo Languedoc sempre foi um berço para idéias heréticas e não ortodoxas, provavelmente porque uma cultura que encoraje a busca de conhecimentos tende a tolerar pensamentos novos e radicais. Uma das principais desse ambiente eram os trovadores, esses menestréis andarilhos cujas canções de amor eram, em essência, hinos dedicados ao principio feminino. Essa tradição voltada para o amor elegante, era centrada na idealização de mulheres e, dentre elas, a mulher ideal, a Deusa. Eles podem ter sido românticos, mas as canções dos trovadores também transmitiam um erotismo real. A influencia do movimento, porem, se estendeu para alem de Languedoc e, em particular, com grande êxito na Alemanha e nos Países Baixos onde os trovadores eram conhecidos como “minnesingers”, literalmente “os cantores de senhoras, embora aqui a palavra tenha o significado de mulher idealizada ou arquetípica”.
O Languedoc assistiu ao primeiro ato de genocídio cometido pelos europeus quando 100.000 membros da “heresia” dos Cataros foram massacrados por ordem do papa durante a Cruzada contra os Albigenses - em razão da cidade de Albi ser uma fortaleza Catara.
A santa inquisição fora originalmente criada para, especificamente, interrogar e exterminar os cátaros. Talvez seja apenas pelo fato da Cruzada dos albigenses ter ocorrido em uma época tão remota quanto o século XIII, que esse massacre nunca tenha tido o mesmo impacto histórico dos holocaustos mais contemporâneos. Porém, muitos habitantes locais ainda sentem o sangue ferver à simples menção desse assunto e alguns até sugerem que houve uma operação oficial de cobertura ao longo dos séculos, uma verdadeira conspiração para impedir que a historia dos cátaros fosse mais amplamente divulgada.
Alem dos cátaros essa região era e sempre foi, um reduto da alquimia e varias aldeias atestam o interesse pela alquimia de seus antigos moradores, notadamente Alet-les-Bains, perto de Limoux, onde as casas ainda são enfeitadas com simbolismos esotéricos Foi também em Toulouse e Carcassonne que surgiram as primeiras acusações conhecidas contra as assim chamadas Bruxas do Sabbath, entre 1330 e 1340. Em 1335 sessenta e tres pessoas foram acusadas de feitiçaria em Toulouse e as suas confissões foram obtidas através dos métodos usuais que sempre garantem que aja uma confissão.
A chefe era uma jovem mulher chamada Anne-Marie de Georgel e essa ao descrever suas crenças parecia falar em nome de todas. Afirmou que viam o mundo como um campo de batalha entre dois deuses, o Deus do Céu e o Deus deste Mundo. Elas apoiavam este ultimo porque acreditavam que ele seria o vencedor. Tal coisa pode ter significado “feitiçaria” para os juizes eclesiásticos, mas, na verdade, era gnosticismo pura e simplesmente. Outra mulher, acusada de crime semelhante, testemunhou ter assistido ao ‘Sabbath’ a fim de servir os cátaros ao jantar.
Muitos elementos pagãos sobrevivem nesta região e podem ser encontrados nos lugares mais surpreendentes. Pois, embora as esculturas do “homem verde”, o deus da vegetação que era venerado na maior parte das regiões rurais da Europa, possam, por um lado ser vistas em muitas igrejas cristãs como a Catedral de Norwich, ele normalmente não é descrito como sendo descendente de uma deidade do Antigo Testamento. Como A.T.Mann e Jane Lyle escrevem.
“Na Catedral de St-Bertrand-de-Comminges, nos Pirineus, Lilith encontrou um jeito de entrar em uma igreja: uma escultura que retrata uma mulher alada, com pés de passaro, que dá a luz uma figura dionisíaca, é verde”.
A mesma cidadezinha afirma ser o local da tumba de ninguém mais e ninguém menos de Herodes Antípas, o governador da Palestina que mandou executar João Batista. De acordo com o cronista hebreu do século I, Josefo, o frágil triunvirato composto por Herodes, sua esposa - a intrigante Herodíada - e a enteada Salomé - que é conhecida pela dança dos Sete Véus, estavam todos exilados na cidade romana de Lugdunum Convenarum, em Gaul, que hoje é St-Bertrand-de-Conuninges. Herodes desapareceu sem deixar rastro, Salomé morreu em um córrego nas montanhas enquanto Herodíada se transformou em lenda local tornando-se líder de um grupo de feiticeiras.
Outra pitoresca lenda de Languedoc se refere à Rainha do Sul - Reine du Midi - um titulo das condessas de Toulouse. No folclore a protetora de Toulouse é La regine Pedauque - a rainha ganso. Isso pode ser uma referencia na cifrada e esotérica “linguagem dos pássaros”, para o Pays d´Oc, mas os pesquisadores franceses identificam essa figura com a deusa Síria Anath que por sua vez está intimamente ligada a Ísis.

Uma outra personagem legendária da região é Meridiana. Seu nome parece ligá-la ao meio-dia e ao sul - ambos midi em francês. Sua aparição mais famosa aconteceu quando Gerbert d´Aurillac - 940-1003 - que mais tarde tornar-se-ia o papa Silvestre II, rumou para a Espanha a fim de aprender os segredos da alquimia. Silvestre, que tinha como oráculo uma cabeça falante, recebeu sua sabedoria desta Meridiana que lhe ofereceu seu corpo, riquezas e a sabedoria da magia, com certeza algum tipo de conhecimento alquímico e esotérico transmitido através de rituais de iniciação sexual.
A escritora e pesquisadora americana Bárbara G. Walker deriva o nome Meridiana de ‘Maria-Diana’, unindo assim essa complexa deusa pagã com a lendária Madalena do sul da França.
Foi também o Languedoc que abrigou, sem duvida nenhuma, a maior concentração de cavaleiros templários na Europa até que fossem suprimidos no inicio do século XIV. A região é toda pontilhada com as evocativas ruínas dos castelos e edificações militares da ordem.
Se, como suspeitamos, existiram muitas outras ramificações do culto herético de Maria Madalena, alem das que encontramos na Provença, então, com certeza, o Languedoc seria o lugar para encontrá-las. Uma das maiores cidades por onde passaríamos, ao viajar pela auto-estrada de Marselha, viu o despertar de incontroláveis paixões em nome dela; e milhares de pessoas haviam sido, de modo horrível, levadas a morte em virtude do significado que ela tinha para eles.
A cidade de Béziers, hoje pertence à província de Hérault, no Langue-dos-Roussillon, é uma cidade populosa a cerca de dez quilômetros do Golfo dos Leões no Mediterrâneo. Em 1209, porem, todos os habitantes da cidade, até o ultimo deles, foram caçados e mortos impiedosa-mente pelos Cruzados que caçavam os albigense. Mesmo para uma cruzada marcada pela quantidade de sangue derramado essa passagem é uma historia particularmente bizarra. Essa historia já foi relatada por vários comentadores contemporâneos, mas aqui nos limitaremos ao relato de Pirre dês Vaux-de-Cemat, um monge de Cister, escrito em 1213. Ele não esteve presente aos eventos mas baseou seu relato nos dos cruzados que lá estiveram.
Béziers tornou-se algo como um reduto para hereges, razão da existência, à época do ataque dos cruzados, de um enclave de 222 cátaros que lá viviam sem serem molestados pela população. Embora não se saiba ao certo se o conde de Béziers seria ele mesmo um cátaro ou apenas um simpatizante o certo é que ele nada fez para perseguí-los ou suprimi-los e isso era o que, em particular, enfurecia os cruzados.
Eles ordenaram aos citadinos - os católicos comuns – quer entregassem os cátaros ou deixassem a cidade para que pudessem lidar com eles com mais facilidade. Apesar dessa exigência ter sido feita sob pena de excomunhão – uma questão de extrema importância para uma época em que o inferno era uma realidade concreta – e a alternativa oferecida parecesse bastante generosa pois representava uma chance de escapar ao iminente massacre - uma coisa surpreendente aconteceu: Os citadinos se recusaram a obedecer a qualquer exigência. Como escreveu dês Vaux-de-Cemat, eles preferiram morrer como hereges em vez de viverem como cristãos. E de acordo com o relatório enviado ao papa por aqueles que o representavam os Citadinos juraram defender os hereges.
Em julho de 1209, então, os cruzados marcharam em direção a Béziers e, sem qualquer dificuldade, tomaram a cidade e mataram todos os que lá estavam: homens, mulheres, crianças e padres e depois atearam fogo ao local. Entre 15.000 e 20.000 pessoas foram mortas: destas, apenas 200 eram heréticas. Nada poderia salvá-las, nem a cruz, nem o altar, nem o crucifixo. Quando os cruzados perguntaram aos delegados do papa como eles poderiam separar os hereges do resto do povo da cidade, receberam a até hoje notória resposta: “Mate-os todos. Deus saberá separá-los”.
Embora seja fácil pensar que os habitantes tenham querido defender sua cidade contra as depredações habituais dos exércitos, chamamos a atenção para o fato de que havia sido oferecida a eles a oportunidade de partirem e se, a manutenção intacta de suas propriedades fosse algo de suprema importância para eles, poderiam simplesmente entregar os hereges aos cruzados e voltar para o cotidiano de suas vidas sem sequer olhar para trás. Porem, escolheram ficar na cidade, assinando, deste modo, a sua sentença de morte. E a reafirmaram ao jurarem lutar em defesa dos cátaros. Mas o que realmente estava acontecendo em Béziers?
Primeiro deve-se levar em conta a data precisa do massacre: era o dia 22 de julho o dia dedicado a Maria Madalena, algo apontado por vários escritores contemporâneos como tendo um significado singular. E foi na igreja de Maria Madalena, em Béziers, que quarenta anos antes o senhor local, Raimond Trencavel I, foi morto, embora não se saiba exatamente o porquê. Em Béziers pelo menos a ligação entre Maria Madalena e a heresia não era meramente acidental e isso nos dá uma visão mais aguçada sobre o pano de fundo da cruzada dos albigenses, como escreveu Pierre des Vaux-de Cernat:
“Béziers foi ocupada no dia de Santa Maria Madalena. Oh!, injustiça suprema da providencia!...Os hereges afirmavam que Santa Maria Madalena era concubina de Jesus Cristo... foi então uma causa justa esses cães asquerosos terem sido massacrados no dia das festividades daquela que haviam insultado”.
Talvez para os bondosos monges e para os cruzados essa idéia possa ter sido um tanto chocante, mas, obviamente, não era para a grande maioria do povo da cidade que tinha escolhido apoiar os hereges até a morte. Está claro que essa crença era uma tradição local extremamente poderosa nos corações e mentes daquelas pessoas. Como já vimos os Evangelhos Gnósticos e outros textos antigos não hesitam em descrever a relação entre Maria Madalena e Jesus como sendo aberta e até publicamente sexual. Mas, como será que essa idéia chegou aos ouvidos desses moradores urbanos da França medieval? Os Evangelhos Gnósticos ainda não haviam sido descobertos - e mesmo que já o tivessem sido – era muito improvável que já tivessem sido disseminados entre eles - Assim, de onde será que veio esta tradição?
A cruzada foi apenas o tiro de partida da guerra contra os albigenses, como um todo, que iria saquear o Languedoc durante mais de quarenta anos, causando cicatrizes tão profundas na psique coletiva das pessoas que não há nada de estranho em afirmar que perduram até hoje. Então, quem eram esses cátaros cujas crenças foram a causa de uma cruzada especialmente organizada para acabar com eles?
Ninguém pode, com alguma segurança, estabelecer a gênese da fé dos cátaros, mas eles rapidamente tornaram-se um poder a ser levado em conta no Languedoc do século XI. Para os languedocianos os cátaros não eram tratados com desdém, ou mesmo considerados ridículos como a nossa própria cultura tende a considerar os cultos religiosos minoritários; ao contrario, eram a religião dominante da região e, localmente, a tratavam com extremo respeito. As famílias nobres da região ou eram reconhecidamente cátaros ou então simpatizantes destes, porque lhes davam um apoio efetivo. O Catarismo era, virtualmente, a religião oficial do Languedoc.
Conhecidos como Les Bonhommes ou Les Chrétiens – os bons homens ou os cristãos - os cátaros aparentemente não ofendiam ninguém. Comentadores contemporâneos, especialmente aqueles que tem uma visão na “nova era”, afirmam que os cátaros representavam um movimento autentico com o intuito de voltar aos fundamentos do cristianismo. Embora, como veremos, tivessem absorvido muitas outras idéias e tivessem uma ideologia própria um tanto confusa, a verdade é que seu modo de vida era uma tentativa de obedecer aos ensinamentos de Jesus. Acusavam a igreja católica de ter se desviado muito do conceito original do cristianismo. Consideravam como anátema a riqueza e a pompa da igreja que viam como o oposto do que Jesus havia pregado a seus seguidores. Vistos de modo superficial poderiam parecer os precursores do movimento protestante, mas, apesar de certas semelhança, não era esse o caso. Os cátaros levavam vidas muito simples. Preferiam passar o tempo ao ar livre ou em casas simples do que em igrejas e embora tivessem uma hierarquia administrativa que incluía bispos, todos os membros batizados eram espiritualmente iguais e considerados padres. Para aquela época o mais surpreendente talvez fosse a ênfase que davam à igualdade entre os sexos, embora a culta região do Languedoc já possuísse uma atitude mais iluminada em relação às mulheres do que era habitual.
Eram vegetarianos que comiam peixes por razões ligeiramente relacionadas à saúde como discutiremos mais tarde. Eram pacifistas e acreditavam em uma forma de reencarnação. Eram também pregadores itinerantes: viajavam aos pares, viviam com simplicidade e em extrema pobreza, parando onde quer que fosse para ajudar e curar os que necessitavam da sua ajuda. De qualquer ponto de vista os “homens bons” não pareciam representar ameaça alguma para quem quer que fosse. No entanto, a igreja encontrou razões suficientes para persegui-los, isso porque ela e os cátaros eram visceralmente antagônicos no que dizia respeito ao simbolismo da cruz porque para eles a cruz era uma lembrança horrível e doentia do instrumento de tortura que levou Jesus à morte.
Tinham também um ódio mortal ao culto aos mortos e ao comercio de relíquias que dele decorria e que constituía um dos principais meios utilizados naquela época para alimentar os cofres de Roma. Mas a principal razão dos cátaros ter caído em desgraça perante a igreja foi à recusa em reconhecer a autoridade do papa.
Ao longo do século XII vários conselhos da igreja condenaram os cátaros, mas só em 1179 eles e seus protetores foram excomungados. Até aquela data a igreja havia enviado os missionários adequados - oradores talentosos - a fim de tentar trazer os languedocianos de volta à “fé verdadeira”, mas estas missões eram recebidas com apatia. Até mesmo o grande São Bernardo de Clairvaux -1090-1153 - foi enviado aquela região apenas para voltar exasperado. Porem, o que é bastante significativo, no relatório que enviou ao papa tomou o cuidado de explicar que embora os cátaros, no que concerne à doutrina caíssem em erro, se fosse examinado seu modo de vida não se acharia nada mais impecável. Essa constatação tornou-se senso comum entre todos os cruzados a ponto de, mesmo sendo inimigos dos cátaros, admitirem que seu estilo de vida era exemplar.
A estratégia seguinte, da igreja, foi tentar bater os hereges em seu próprio campo, e para isso enviaram para a região sua própria versão de pregadores itinerantes. Entre os primeiros, em 1205, estava o famoso Dominic Guzman, um monge espanhol que para lá fora enviado com a missão de fundar a Ordem dos Frades Oradores - mais tarde chamada de Ordem de São Domingos - cujos membros, tempos depois, seriam encarregados dos tribunais da Santa Inquisição.
A partir de então os dois lados viram-se jogados em uma serie de disputas abertas, um tipo de debate em publico terrivelmente serio que nada solucionou. Finalmente, em 1207, o papa Inocêncio III perdeu a paciência e excomungou o Conde de Toulouse, Raymond VI, por não ter entrado em ação contra os hereges. Esse passo era obviamente impopular pois o próprio delegado papal, encarregado de transmitir ao conde essas noticias, foi morto por um dos cavaleiros de Raymond. Essa foi a gota d´ água: o papa convocou uma cruzada contra os cátaros e os que os apoiavam ou com eles simpatizavam. A cruzada se reuniu no dia 24 de julho de 1209 - o dia comemorativo de São João Batista.
Até aquela data todas as cruzadas haviam sido convocadas para lutar contra os muçulmanos, contra os bárbaros estrangeiros que viviam em terras tão distantes a ponto de serem, literalmente, inimagináveis. Mas essa cruzada seria uma guerra de cristãos contra cristãos quase às portas do palácio do próprio papa. Havia, portanto, toda a probabilidade dos cruzados conhecerem pessoalmente alguns hereges que eles haviam jurado exterminar.
A cruzada dos albigenses que começou em Béziers em 1209, prosseguiu com extrema brutalidade, assim, cidade após cidade, caia ante os soldados que estavam sob as ordens de Simon de Montfort. A campanha durou até 1244, um período bastante considerável, durante o qual os cruzados realizaram tudo o que se possa imaginar de pior. Ainda hoje há lugares no Languedoc onde o nome de Simon de Montfort evoca um sentimento misto de medo e abominação.
Na ocasião as razões religiosas tornadas publicas para justificar a campanha logo foram acompanhadas pelos motivos políticos mais cínicos. A maioria dos cruzados viera do norte da França: a riqueza e poder de Languedoc eram atraentes demais para serem ignoradas. No começo da cruzada essa região desfrutava de considerável independência, no final, fazia definitivamente parte da França.
Esse episodio da historia européia foi, sob quaisquer padrões, de significado extremo. Não só fora o primeiro genocídio europeu, como também um movimento crucial para a unificação da França e deu o motivo necessário para a criação da Santa Inquisição. Para nos, entretanto, há muito mais nessa cruzada dos albigenses do que uma campanha plena de atrocidades que, curiosamente, foi relegada ao esquecimento.
Os cátaros eram pacifistas que desprezavam “o imundo invólucro da carne” a ponto de estarem ansiosos por esvaziá-lo, mesmo que os meios necessários para tal significassem o martírio de ser queimado vivo. Durante a campanha muitos milhares de cátaros terminaram seus dias na fogueira e muitos sequer deixaram transparecer o mais leve horror ou medo em face disso. Alguns, aparentemente, chegaram ainda mais longe e não demonstraram sentir dor alguma. Tal feito foi particularmente notável no cerco final ao ultimo refugio dos cátaros: Montségur.
Uma parada essencial para os turistas contemporâneos, Montségur tornou-se um lugar um tanto mítico, bastante similar ao rochedo de Glastonbury. Mas, embora aqueles que estão fora de forma possam achar que este ultimo representa uma subida íngreme e difícil demais, não é nada quando comparado com a estrada que leva ao topo do “château” de Montségur: uma fortaleza de pedra encravada quase que de uma maneira impossível nas alturas vertiginosas de uma montanha escarpada, toscamente parecida com um pão de açúcar, contemplando do alto o povoado e um vale tornado perigoso devido as constantes quedas de pedras. Sinais em vários idiomas advertem contra rompantes no sentido de escalar o château até mesmo por aquele que estão, sem sombra de duvida, no auge de suas forças e forma física: mesmo os andarilhos mais contumazes acham essa trilha particularmente dura. É difícil imaginar como os cátaros e seus suprimentos chegavam até o topo. Uma vez lá, porem, era relativamente fácil imaginá-los tranqüilamente sentados, pois para os cruzados, com sus armaduras e cavalos, nem sequer valia a pena tentar a escalada.

Château de Montségur
Montségur no inicio de 1240havia se tornado o quartel-general dos cátaros remanescentes, quando os cruzados os haviam forçado a recuar até os contrafortes dos Pirineus. Um lar para cerca de 300 cátaros e, em particular, para os lideres principais. Montségur havia se tornado um premio reluzente para os homens do papa. A rainha da França, Blanche de Castilha, reforçou a importância dada a Montségur quando, ao relatar sobre sua captura, escreveu: ’devemos cortar fora à cabeça do dragão’.
Durante os dez meses de cerco a Montségur um fenômeno curioso aconteceu. Vários dos soldados sitiantes desertaram e se juntaram aos cátaros apesar de saberem exatamente como tudo aquilo terminaria, inclusive para eles. O que poderia ter causado tão absurda defecção? Alguns sugeriram que eles ficaram impressionados com o comportamento exemplar dos cátaros, desse modo, foram tomados por uma conversão interna e profunda.
Como já vimos, os cátaros viam a morte através da tortura não só com estoicismo, mas com total tranqüilidade, mesmo quando, dizem, as chamas começavam a dançar em volta deles. Para os que podem se lembrar dos anos 70 vem imediatamente à mente a imagem assombrosa daquele solitário monge budista que se imolou contra a guerra do Vietnã. E permaneceu sentado e ereto, em um transe desenvolvido após longo treinamento e inimaginável disciplina, enquanto o fogo o matava.
Os cátaros estavam conscientemente preparados para a morte, tendo feito até mesmo um juramento que especificamente prometia a submissão de todos à própria fé, em face de quaisquer tipos de tortura. Teriam eles também o conhecimento de uma técnica de transe semelhante que lhes permitisse superar a agonia mais extrema? Com certeza esse seria um segredo que todos os soldados de qualquer época gostariam de conhecer.
Seja como for a queda de Montségur deu vida a muitos mistérios duradouros que foram fonte de fascinação para muitas gerações, inclusive para os nazistas caçadores de tesouro e para aqueles que estavam em busca do Santo Graal. O mistério mais persistente, entre todos, está relacionado com o chamado tesouro dos cátaros, que quatro deles, supostamente, teriam conseguido carregar na noite anterior ao massacre final. Esses intrépidos hereges teriam de alguma forma conseguido escapar descendo por cordas no meio da noite pelo lado mais escarpado da montanha.
Embora formalmente os cátaros tenham se rendido no dia 2 de março de 1244, foi-lhes dada permissão para permanecer na fortaleza durante mais quinze dias por razões que nunca foram bem explicadas: depois deste período eles se dirigiram por vontade própria para a fogueira. Alguns relatos os descrevem como tendo de fato corrido montanha abaixo e pulado para dentro das fogueiras que os esperavam na planície. Especulou-se que eles haviam pedido esse tempo para executar algum tipo de ritual, mas ninguém jamais saberá realmente a verdade sobre isso.
A natureza exata do tesouro dos cátaros é assunto de intensa especulação. Julgando pela rota perigosa percorrida pelos quatro fugitivos, provavelmente não poderiam ter carregado bolsas com pesadas barras de ouro, destarte alguns especulam que era o próprio Santo Graal - ou algum outro objeto ritualístico de grande significado - enquanto outros afirmam que o que eles levavam eram escrituras – conhecimentos - e até mesmo que eram os quatros cátaros, eles mesmo, o tesouro, devido a sua própria importância. Eles poderiam representar uma linha de autoridade, talvez até mesmo encarnando, literalmente, a lendária linhagem sangüínea descendente de Jesus.
Mas se o tesouro dos cátaros fosse na verdade algum conhecimento secreto, qual seria seu formato? No que realmente os cátaros acreditavam? É difícil acessar suas crenças com alguma segurança, porque eles deixaram poucos registros escritos e muito do que é dito sobre suas crenças vem dos documentos de sua inimiga, a Santa Inquisição. E como Walter Birks e R.A.Gilbert sabiamente apontam em seu livro “The Treasure of Montségur” -1987: coloca-se muita ênfase na teologia que lhes é imputada quando, com certeza, seu estilo de vida é o que mereceria mais atenção. Contudo a religião originou-se de uma visão especifica do mundo e essas origens permanecem discutíveis.
Os cátaros eram um ramo dos bogomilos, um movimento herético que surgiu e floreceu em primeiro lugar nos Bálcãs na metade do século X e que se manteve influente na região mesmo depois de os cátaros terem sido destruídos. O Bogomilismo se difundiu amplamente, pelo menos até onde hoje existe a cidade de Constantinopla e foi considerado uma seria ameaça à ortodoxia religiosa.
Os Bogomilos da Bulgária são os herdeiros de uma longa linhagem de heresias, tendo adquirido uma reputação um tanto pitoresca dentre seus oponentes. Por exemplo, a palavra inglesa ‘Bugger’ – sodomita - deriva do nome búlgaro, denotando, literalmente, o significado pejorativo, porque todos os hereges foram acusados de desvio sexual seja esta acusação justa ou não. Para os Bogomilos, assim como para os cátaros, o mundo era mau e o espírito, que era preso em um corpo de imundices, só tinha um meio para se tornar livre, a Gnose, ou seja, a revelação pessoal que conduz a alma à perfeição e ao conhecimento de Deus.
Diante do tipo de literatura a respeito do catarismo disponível em muitas lojas turísticas do Languedoc, são passiveis de perdão aqueles que pensam que esse era um tipo de religião da Nova Era com uma teologia clara e simplista. Há dúzias de livros e folhetos que celebram o humanitarismo e as crenças dos cátaros inseridos nos conceitos modernos como reencarnação e vegetarianismo. Em geral, porem, esta é uma tolice sentimental. Os cátaros praticavam o vegetarianismo não porque amavam os animais, mas sim devido ao ódio que devotavam á procriação e só comiam peixe porque acreditavam, erroneamente, que a reprodução destes era assexuada. Por outro lado a noção que tinham da reencarnação baseava-se no conceito do bom final – morte - que normalmente significava ser martirizado em razão da própria fé. Se se deparassem com tal fim não haveria nenhuma duvida de que não reencarnariam mais neste desprezível vale de lacrimas; porém, se assim não fosse, então voltariam até que fizessem isso direito.
Alguns tentaram argumentar que o catarismo era um produto restrito ao Languedoc: esse argumento é manifestamente impreciso, embora tenha incorporado material típico da região para a construção de sua teologia. Uma coisa que era unicamente dos cátaros era a crença de que Maria Madalena foi mulher de Jesus ou então sua concubina. Julgava-se, porem, que esse conhecimento não era apropriado para todos os cátaros, e devido a isso era restrito ao circulo das lideranças.
Os cátaros não só eram visceralmente contra o sexo, mas até mesmo contra o matrimonio porque este era sinônimo de sexo, por este motivo não teriam como entender o relacionamento que segundo os evangelhos apócrifos existia entre Jesus e Maria Madalena. Alias, retornando a Constantino I e ao Concilio de Nicéia, como um “homem igual a todos os demais homens” poderia ser filho de Deus? Portanto, se existissem documentos que afirmassem que o Filho do Homem era similar a todos os demais homens estes deviam ser queimados e esquecidos, pois se assim não fosse como a substancia do Pai poderia ser igual ao Filho? E a “santíssima trindade” então- a igualdade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo – considerando todas as discussões dentro e fora dos Concílios que haviam sido necessárias para estabelecê-la?
Os cátaros se encontravam freqüentemente em uma posição teológica delicada porque se por um lado eles encorajavam seus seguidores a lerem a Bíblia - contrastando com o catolicismo ortodoxo que se opunha ao acesso popular á Bíblia - pelo outro tomavam a atitude radical de reinterpretar os eventos bíblicos a fim de ajustá-los às suas próprias crenças. O principal exemplo de suas reinvenções do Novo Testamento é a visão que tinham da crucificação: afirmavam que um Jesus de puro espírito é que fora pregado à cruz. Embora não haja nenhuma evidencia bíblica sobre isso, eles se viram obrigados a inventar esse outro Jesus em razão da repugnância que tinham do corpo físico e, portanto, um crucificado corpóreo era inconcebível para eles.
Desta forma a idéia de Jesus e Maria Madalena serem parceiros sexuais não poderia ser resultado de algum tipo de pensamento tendenciosos. Na realidade eles se engalfinhavam com varias justificativas teológicas diferentes na tentativa de explicar o matrimonio, algo em que não empregariam tanto tempo e energias se sentissem que poderiam simplesmente desconsiderar a historia toda como sendo um completo absurdo. O que isso parece indicar é a prevalência, no Languedoc dessa época, da idade do relacionamento de Jesus com Madalena. Isso não apenas era parte daquilo que as pessoas comuns acreditavam sem qualquer questionamento, como também era algo central para o mundo cristão daquela região como um todo, a tal ponto, que era melhor tratar abertamente do assunto do que tentar ignorá-lo. E como escreve Yuri Stoyanov.
“O conhecimento de Maria Madalena como a mulher ou concubina de Cristo parece ser, além de tudo, uma tradição original dos cátaros que não encontra nenhuma contraparte nos doutrinas dos bogomilos”.
Embora Madalena fosse, e ainda seja, uma santa curiosamente popular na Provença, onde se supões que tenha vivido, foi no Languedoc que ela se tornou o centro de convergência para as crenças abertamente heréticas, e, como iremos descobrir, foi também nessa região que essas mesmas crenças deram origem a paixões surpreendentes, rumores bárbaros, e obscuros segredos.
Como já vimos à idéia de Jesus e Maria Madalena serem amantes também pode ser encontrada nos Evangelhos de Nag Hammadi que foram escondidos no Egito no IV século. Seria então razoável imaginar que as semelhanças com as crenças de Languedoc se originassem daqueles ou de uma fonte em comum? Alguns eruditos, com destaque para Marjoire Malvern, têm especulado que o culto do sul da França a Madalena preservou essas antigas idéias gnósticas. E há alguma evidencia de que seja realmente esse o caso.
No ano de 1330 um tratado extraordinário intitulado “Schwester Katrei” - irmã Catarina - foi publicado em Estrasburgo, supostamente escrito pelo místico alemão Meister Eckhart. Os eruditos, porem, concordam que o verdadeiro autor era uma das suas seguidoras. Esse livro apresenta uma serie de diálogos entre a “Irmã Catarina” e seu confessor sobre a experiência religiosa de uma jovem mulher e, embora incorpore muitas idéias ortodoxas, também mostra varias outras que decididamente não o são. Um exemplo é essa declaração: Deus é a Mãe Universal.
A esse respeito tomamos a liberdade de lembrar que não é necessário ter um Q.I muito desenvolvido para concluir que a “Essência Inteligente Universal” a “ Força Criadora do Todo” que as primeiras religiões chamavam “Mãe”, somente se tornou-se “Pai” quando o profeta Abrão o chamou Jhwh. Contudo o sexo – seja feminino ou masculino - em verdade a maquininha de reprodução, só é necessário para que os animais – racionais ou irracionais - se reproduzam, que não é o caso “Do Ser” que do nada criou o todo. De onde se deduz que “Deus ou Deusa” são apenas meras expressões humanas forçadas pelas limitações das línguas que são utilizadas ao redor do mundo.
Esse tratado franco e incomum une Madalena a Minne, a Senhora do amor dos minnesinger, e, ainda mais estimulante, deu o que pensar aos eruditos porque contem idéias sobre Maria Madalena que só são encontradas nos Evangelhos de Nag Hammadi: ela é descrita como sendo superior a Pedro devido à maior compreensão que tem de Jesus, e há aqui a mesma tensão entre Maria e Pedro. Alem disso, incidentes realmente descritos nos textos de Nag Hammadi são mencionados no tratado da Irmã Catarina.
A professora Bárbara Newman, da Universidade da Pensilvânia, destaca o dilema acadêmico da seguinte forma: “a utilização desses temas na ”Irmã Catarina” coloca uma questão espinhosa no que tange a transmissão histórica” e confessa que isso é um fenômeno real, mesmo sendo desconcertante.
Como poderia o autor de Irmã Catarina, em pleno século XIV, ter tido acesso a textos que só seriam descobertos no século XX? Não pode ser mera coincidência o tratado mostrar a influencia dos cátaros e trovadores do Languedoc, e a conclusão obvia é que foi através deles que os conhecimentos que posteriormente foram ratificados pelos Evangelhos Gnósticos - relativos a Maria Madalena - foram transmitidos; seus segredos podem não só estender-se sobre o que conhecemos hoje como os textos de Nag Hammadi, mas a outros documentos semelhantes, e de igual valor que, contudo, ainda não foram encontrados.
É interessante que haja uma crença duradoura no sul da França sobre a natureza sexual da relação entre Madalena e Jesus. A pesquisa inédita de John Saul revelou muitas referencias na literatura do sul da França - do século VII – a respeito de tal união, especificamente nas obras de homens que estavam associados ao Monastério de Sion, como Cezar, o filho de Nostradamus, cuja obra foi editada em Toulouse.
Tínhamos visto em Proença que onde quer que houvesse centros de culto a Maria Madalena, havia, normalmente, locais associados a João Batista. Como os cátaros pareciam tê-la em alta conta, então talvez eles também demonstrassem a mesma reverencia para com o Batista. Muito pelo contrario, porem, os cátaros pareciam sentir total repugnância para com o Batista a ponto de descrevê-lo como sendo um demonio. Essa repugnância vem diretamente dos bogomilos, porque alguns destes se referem a ele – mesmo se de um modo um tanto confuso - como o precursor do ante-Cristo’.
Um dos poucos textos santos remanescentes dos cátaros é o Livro de João - também conhecido como “Líber Secretum” - que é uma versão Gnóstica do Evangelho de um João completamente diferente: grande parte é exatamente igual ao Evangelho canônico, porém, contem algumas revelações extras pretensamente dadas pessoalmente a João, o “discípulo amado”. Foram essas idéias de caráter dualista e Gnóstico que concorreram para a formação teológica geral dos cátaros.
Nesse livro Jesus diz a seus discípulos que João Batista, na verdade, era o emissário de Satanás -o Deus do mundo material - enviado com o intuito de antecipar-se à sua missão redentora. Esse texto era originalmente dos bogomilos e não foi totalmente aceito nem pelos cátaros nem por todos os bogomilos. Muitos membros de outras facções dos cátaros se entretinham com idéias bastante mais ortodoxas sobre João e existem sinais de que, na verdade, os bogomilos dos Bálcãs realizavam um ritual comemorativo todo 24 de junho.
O certo é que os cátaros tinham uma consideração especial para com o Evangelho de João, que no geral é tido pelos eruditos como sendo o mais gnóstico dos textos do Novo Testamento. Em círculos ocultos vicejam rumores de que os cátaros tinham uma outra versão, hoje perdida, do Evangelho de João. Muitos ocultistas vasculharam a região ao redor de Montségur na esperança de encontrá-los, sem sucesso porem.
Está claro que os cátaros tinham idéias pouco ortodoxas, mesmo que um pouco confusas, sobre João Batista. Mas havia alguma coisa de verdadeiro em seu conceito de um João mau e um Jesus bom? Talvez não muito, mas, como sugerem vários comentadores contemporâneos, a relação entre esses dois homens pode não ter sido tão claramente definida quanto a maioria dos cristãos é levada a acreditar. Essa idéia dos cátaros pode representar o caráter dualista de sua filosofia do modo mais simplista possível: um dos dois é o bem e o outro é o mal. Nesse caso, entretanto, a conclusão lógica é que eles os consideravam iguais, porem opostos. Os cátaros, portanto, deviam vê-los como rivais, o que não é de forma alguma uma visão cristã tradicional. E isso demonstra que duvidas desconcertantes sobre o suposto apoio de João à missão de Jesus já existiam há muito tempo naquela região. Assim como a relação Madalena com Jesus a de João e Jesus parece compreender uma versão radicalmente diferente daquela ensinada pela igreja.
Buscar nos cátaros uma confirmação da importância da figura de João para os movimentos heréticos é trilha certa para a decepção, ao menos superficialmente.
Mas há uma organização historicamente muito significativa, que mais do que contrabalança esse desapontamento. Estamos falando, é claro, dos cavaleiros templários, para quem João Batista sempre foi, inexplicavelmente, objeto de grande devoção. E, do mesmo modo que a cruzada contra os cátaros deixou uma marca traumática indelével na paisagem do Languedoc, os castelos desses cavaleiros enigmáticos, nessa e em outras regiões, continuam expondo, ao longo do tempo, as mesmas marcas indeléveis e traumáticas.
Hoje os templários se tornaram uma espécie de clichê esotérico, como bem sabe qualquer um que esteja familiarizado com a ficção de Umberto Eco, e a maioria dos historiadores não sentem nem um pingo de remorso sequer ao tratar com absoluto desdém qualquer coisa que chame atenção para seus segredos. No entanto, qualquer mistério que esteja conectado com o Monastério de Sion, também envolve esses monges-guerreiros, e, portanto, são umas partes inerentes desta investigação.
Um terço de todas as propriedades dos templários na Europa se encontrava no Languedoc. Suas ruínas contribuem para tornar ainda mais bela essa região selvagem. Uma das lendas locais mais pitorescas é a de que todo 13 de outubro que caia em uma sexta feira - o dia do mês e da semana em que a Ordem foi suprimida de forma súbita e brutal - faz com que apareçam luzes estranhas nas ruínas, alem de negras figuras que podem ser vistas se movendo dentro delas. Infelizmente, nas sextas feiras que passamos naquela região, não vimos nem ouvimos nada alem do alarmante grunhido dos javalis selvagens. Ao menos essa historia demonstra o quanto os templários se tornaram parte da lenda local.
Os templários mantiveram-se vivos na memória dos habitantes locais através de recordações que não são de forma alguma negativas. Mesmo em nosso século ainda encontramos vestígios que atestam isso, como nos conta a famosa cantora de opera Emma Calvé, nascida na região de Aveyron no norte de Languedoc. Emma registrou em suas memórias que o povo local, quando queria dizer que um menino era especialmente bonito ou inteligente, usava o seguinte dito popular: “ele é um verdadeiro filho dos templários”.
Os principais fatos relativos aos cavaleiros templários são bastante simples. Era uma ordem oficialmente denominada “Ordem dos Cavaleiros Pobres do Templo de Salomão”, formada em 1118 pelo nobre francês Hugues de Payens, para servirem de escolta aos peregrinos que se dirigiam a Terra Santa. O grupo, entretanto, nos primeiros nove anos era de apenas nove cavaleiros. Quando a Ordem foi reconhecida oficialmente, logo se transformou em uma força que passou a ser levada em consideração não só no Oriente Médio, mas também em toda a Europa.
Depois do reconhecimento da Ordem o próprio Hugues de Payens empreendeu uma viagem pela Europa solicitando à realeza e á nobreza a doação de terras e dinheiro. Depois, em 1129, visitou a Inglaterra e nesse país fundou a primeira sede dos templários no lugar onde hoje se encontra a estação Holborn do metrô londrino.
Como os demais monges, os cavaleiros também fizeram votos de pobreza, castidade e obediência. Mas eles eram homens do mundo e assim, empunhavam sua espada sempre que se tornava necessário lutar contra os inimigos de Cristo. A imagem dos templários vinculou-se de forma inseparável à das cruzadas que foram organizadas para expulsar o infiel de Jerusalém para mantê-la cristã.

O conselho de Troyes reconheceu oficialmente os templários como uma ordem religiosa e militar em 1128. A figura principal por trás dessas operações era Bernard de Clairvaux, o cabeça da Ordem de Cister, que tempos depois seria canonizado. Mas como escreve Bamber Gascoigne:
Ele era agressivo e abusivo...e era um político trapaceiro e sem escrúpulo nos métodos que utilizava a fim de derrubar seus inimigos.
Foi Bernard que escreveu a regra dos templários baseada na dos cistercienses, e foi um de seus protegidos, na posição de papa Inocêncio II, quem declarou, em 1139, que os templários dali em diante só responderiam diretamente ao papado. Como os templários e a Ordem de Cister desenvolviam-se em paralelo, podemos inferir que havia uma certa e deliberada coordenação entre eles. Por exemplo, o Conde de Champanhe, senhor de Hugues de Payens, doou a Bernard as terras de Clairvaux onde ele construiu seu império Monástico. E é bastante significativo que André de Montbard, um daqueles nove Cavaleiros que fundaram a ordem, fosse tio de Bernard. Chegou-se a sugerir que os templários e cistercienses agiam em comum acordo, obedecendo a um plano pré-determinado, para assumir o domínio sobre a cristandade, mas o esquema não vingara.
Dificilmente exageraríamos ao falarmos do prestigio e do poder financeiro dos templários no período em que sua influencia na Europa estava no auge. Praticamente não havia nenhuma área civilizada importante onde eles não tivessem uma preceptoria, como atestam, por exemplo, vários locais espalhados pela Inglaterra como o Templo da Fortuna, o Templo da Barra – Londres - e o Templo das Pradarias – Bristol. Porem, à medida que seu império se espalhava, crescia também sua arrogância o que fez com que suas relações com as autoridades principais começassem a se degenerar.
A riqueza dos templários em parte resultava da sua tradição: todos os novos membros deviam entregar suas propriedades à Ordem, além disso, amealhavam uma fortuna considerável por meio de volumosas doações de terra e dinheiro de muitos reis e nobres. Seus cofres logo ficaram abarrotados, mas também porque haviam desenvolvido uma impressionante astúcia financeira: na pratica se tornaram os primeiros banqueiros internacionais e suas avaliações de credito tornaram-se um parâmetro para todas as instituições financeiras. Com certeza esse era um meio seguro para se estabelecerem como um dos principais centros de poder. Em um período bastante curto o titulo de “Cavaleiro dos Pobres” tornou-se uma piada, embora seus soldados permanecessem bem pobres.
Alem de sua incrível riqueza os templários também eram conhecidos por sua habilidade e coragem no campo de batalha, chegando às vezes a serem até temerários. Tinham regras especificas que determinavam sua conduta como combatentes; era-lhes, por exemplo, proibido de render-se, a menos que o inimigo estivesse em vantagem numérica de pelos menos três para um, e mesmo assim deviam antes obter a permissão de seu superior. Eles eram os Serviços Especiais daquela época, uma tropa de elite com Deus - e o dinheiro - ao seu lado.
Apesar de todos os esforços a Terra Santa foi dominada pelos sarracenos, pedaço por pedaço, até que, em 1291, o ultimo território ainda em poder do mundo cristão - a cidade de Acre - foi tomada por mãos inimigas. Não havia mais nada que os templários pudessem fazer a não ser voltar à Europa e planejar a eventual reconquista de Jerusalém. Infelizmente, porem, até mesmo a motivação para uma campanha como essa havia desaparecido da mente dos vários reis que poderiam financiá-la. A principal razão de sua existência havia se reduzido a um grande nada. Desempregados, mas ainda ricos e arrogantes, os Templários tinham contra si um ressentimento generalizado, pois estavam isentos de tributação e deviam submissão apenas ao papa. Por estas razões, inevitavelmente, em 1307 caíram em desgraça. Foi o todo poderoso Rei francês, Filipe o Belo, que começou a orquestrar a queda dos templários, diga-se de passagem, com a devida conivência do papa, que de qualquer forma era alguém que o rei Filipe tinha no bolso. Foram emitidas ordens secretas aos representantes aristocráticos do rei e os templários foram reunidos numa sexta feira - dia 13 de outubro de 1307 - presos, torturados e queimados.

Pelo menos é essa a historia que se conta na maioria das obras relativas a esse assunto. Essas obras nos levam a entender que a Ordem, toda ela, conheceu sua horrível destruição final naquele exato dia, e que os templários foram efetivamente varridos da face da terra para sempre. Contudo, a verdade não é absolutamente esta.
Para começar, apenas alguns poucos templários foram de fato executados, embora a maioria dos que foram capturados fossem “submetidos a interrogatório”, um bem conhecido eufemismo para designar uma tortura excruciante. Relativamente poucos enfrentaram a fogueira, embora o Grão Mestre Jaques de Molay tenha sido queimado lentamente, até a morte, na “Ilé de la Cité” à sombra da Catedral de Notre-dame em Paris.

Dos outros milhares de templários apenas os que se recusaram a confessar ou renegaram suas confissões foram executados. Mas que validade poderiam ter estas confissões obtidas através de ferro em brasa e do aperto de parafusos das máquinas de tortura? E o que exatamente era esperado que confessassem?
O relato das confissões dos templários são bastante pitorescas, para dizer o mínimo. Lemos que eles adoravam um gato, se compraziam em orgias homossexuais como parte de seus deveres cavalheirescos, veneravam um demonio conhecido como Baphomet e/ou uma cabeça decapitada. Também foi dito que eles haviam pisoteado e batido na cruz em um ritual de iniciação. Tudo isso, é claro, era para fazer parecer um total absurdo a idéia de que eles eram Cavaleiros dedicados a Cristo, verdadeiro sustentáculo do ideal cristão. Quanto mais eles eram torturados, mais aparente ficava esta divergência.
Isso não causa surpresa: não são muitas as vitimas de tortura que conseguem retesar os próprios dentes e recusar-se a concordar com as palavras que são colocadas em sua boca por seus algozes. Nesse caso, contudo, existem muito mais coisas do que parece haver à primeira vista. Por um lado houve insinuações de que todas as acusações levantadas contra os templários eram fraudulentas, manipuladas por aqueles que invejavam sua riqueza e exasperavam-se com o poder que eles detinham. Estes, então, tramaram uma boa desculpa para que o rei francês pudesse se livrar das dificuldades econômicas vigentes, apropriando-se da enorme riqueza dos templários. Por outro lado, embora as acusações pudessem não ser estritamente verdadeiras, existem evidencias de que os templários estavam metidos com algo misterioso, talvez algo “negro” no sentido oculto do termo. Claro está que essas duas visões não são, necessariamente, mutuamente exclusivas.
Muita tinta já foi gasta com argumentações sobre as acusações feitas contra os templários e as conseqüentes confissões. Teriam eles realmente cometidos todos os atos que confessaram, ou os inquisidores inventaram previamente as acusações e, então, simplesmente torturaram os cavaleiros até que eles concordassem em confessá-las? Alguns cavaleiros, por exemplo, testemunharam afirmando que haviam dito que Jesus era um “falso profeta”. É impossível adotar conclusivamente qualquer das hipóteses.
Há, entretanto, ao menos uma confissão em particular que nos faz parar e refletir. É a confissão de um certo Fulk de Troyes, que disse que os templários lhe mostraram um crucifixo e lhe disseram: “Não coloque tanta fé nisso, pois é algo muito recente”. Parece haver pouca probabilidade dessa declaração enigmática ter sido formulada por um inquisidor dada a pouca educação histórica vigente na época.
É certo que o Monastério de Sion afirma ser o poder criador que estava por trás do surgimento dos cavaleiros templários: se esse é o caso, então esse é um dos segredos mais bem guardados da historia. Mesmo assim, dizem que as duas ordens eram virtualmente a mesma até o momento do cisma em 1188, depois do qual seguiram caminhos separados. E na verdade parece ter havido algum tipo de conspiração relacionada com o surgimento dos templários. O bom senso sugere que deve ter sido necessário mais do que os nove cavaleiros originais para proteger e prover refugio a todos os peregrinos que iam visitar a Terra Santa e ainda por cima durante nove anos; alem disso, há muito pouca evidencia de que eles tenham feito qualquer tentativa seria de realizar tal escolta. Os templários logo se transformaram nos queridinhos da Europa, tendo recebido privilégios e honras totalmente desproporcionais em relação ao que realmente mereciam. Por exemplo, foi-lhe concedido uma ala inteira do palácio real, em Jerusalém, um lugar que antes fora uma mesquita. Por sua vez foi dito, erroneamente, que tal palácio havia sido construído sobre as fundações de Templo de Salomão de onde os templários tiraram seu nome oficial.
Outro mistério relacionado aos inícios dos templários centra-se no fato de haver evidencias de que a Ordem de fato já existia bem antes de 1118, embora o motivo da data ter sido falsificada permaneça obscuro. Muitos comentadores sugeriram que o primeiro relato conhecido sobre a criação dos templários - de Williams de Tiro - que escreveu há cerca de cinqüenta anos após o evento, é simplesmente um historia para despistar. (embora Williams fosse profundamente hostil aos templários, presume-se que ele estava recontando a historia conforme seu entendimento.) Uma vez mais, porem, podemos apenas especular sobre qual era o motivo para tal tentativa de despistamento.
Hugues de Payens e seus nove companheiros vieram todos de Champanhe ou, inclusive, do Languedoc, condado de Provença, e é certos que eles foram a Terra Santa com uma missão especifica em mente. Talvez, como já se sugeriu, estivessem a procura da Arca da Aliança ou de algum outro tesouro antigo, ou mesmo de documentos que pudessem conduzi-los a isso ou a algum tipo de conhecimento secreto que lhes desse domínio sobre as pessoas e suas riquezas. Recentemente, Cristopher Knigth e Robert Lomas, argumentaram em seu livro “The Hiram Key” que os templários buscaram e encontraram o esconderijo de documentos que tinham a mesma origem dos Manuscritos do Mar Morto. No entanto, tão intrigante quanto possa ser tal sugestão, ela não fornece qualquer evidencia convincente e, como veremos, a questão relacionada às origens dos Manuscritos do Mar Morto está repleta de concepções erradas e míticas. Existe, porem, evidências reais de que os templários buscavam obter novos conhecimentos dos árabes e dos outros povos que encontravam em suas viagens.
Para nós uma das coisas mais fascinantes sobre os templários é a forte e incomum reverencia a João Batista, que parece ser para eles muito mais importante do que teria sido um mero santo protetor. O Monastério de Sion, que como é afirmado foi a origem dos templários, chama todos os seus Grão-Mestres de ‘João’, quem sabe se em reverencia a Batista. No entanto, é totalmente impossível descobrir a razão de tal submissão, por parte dos templários, em quaisquer das obras a eles dedicadas; a explicação habitual é a de que João lhes era especial por ter sido professor de Jesus. Alguns sugeriram que a cabeça decapitada que alguns afirmam ter sido fonte de veneração dos templários era a do próprio Batista. Porem, tal adoração a um totem como esse implica em ver os templários como sendo algo muito diferente do que simples cavaleiros cristãos.
Até mesmo muito de seu simbolismo, aparentemente ortodoxo, esconde especificas insinuações a ‘João’. Por exemplo, o Cordeiro de Deus era uma de sus imagens mais importantes. A maioria dos cristãos o toma como sendo Jesus - porque João Batista teria dito referindo-se a ele: ‘Eis o Cordeiro de Deus’ – mas em muitos lugares, como as partes ocidentais da Grã-Bretanha, esse símbolo é utilizado como referencia ao próprio João e para os templários também parece ser esse o significado, porque o símbolo Cordeiro de Deus foi adotado pelos templários em seu selo oficial; esse selo era especifico da Ordem no sul da França.
Uma pista de que a reverencia dos templários para com João Batista não era uma simples questão de prestar homenagem ao seu santo protetor, mas que na verdade ocultava algo muito mais radical, pode ser encontrada na obra de um padre erudito chamado Lambert de St Omer. Lambert estava associado a Godefroi de St Omer, um dos nove cavaleiros fundadores e o segundo em comando das forças de Hugues de Payens. Em “The Hiram Key”, Christopher Knight e Robert Lomas, reproduzem uma ilustração de Lambert retratando a celestial Jerusalém, e observam que ela:
“...aparentemente mostra o fundador [da celestial Jerusalém] como sendo João Batista. Não há nenhuma menção a Jesus nesse, assim chamado, documento cristão”.
Como no simbolismo das pinturas de Leonardo, a conclusão é que João, o Batista, é importante por si mesmo, e não meramente em decorrência de seu papel como precursor de Jesus. Dois anos depois das prisões em massa, enquanto os cavaleiros ainda estavam sendo julgados, o catalão visionário e ocultista Ramon Lull - 1232-1316 - anteriormente um leal partidário da Ordem, escreveu que os julgamentos revelavam as “ameaças à barca de São Pedro”, e acrescentou: Existem, talvez, muitos segredos no cristianismo, dentre os quais há um, em particular, capaz de causar uma incrível revelação, assim como aquele que está emergindo através dos templários...tal publica e manifesta infâmia pode por si mesma colocar em perigo a barca de São Pedro.
Lull parece não só estar se referindo aos perigos para a igreja causados pelas revelações sobre os templários, como também a outros segredos, de igual magnitude. Ele também parece aceitar as acusações levantadas contra a Ordem, embora, aquela altura dos fatos, não fosse uma idéia muito inteligente colocá-la em questão.
Poderia o Languedoc - que foi o local de maior concentração de templários na Europa - fornecer alguma pista que nos levasse à verdade sobre a Ordem? Ainda hoje, após tanto tempo, essa região conta com muitas recordações persistentes e continua a ser saudavelmente desatenta em relação ao convencional.
Como vimos, os cátaros e os templários floresceram aqui e ao mesmo tempo, mas posto o que geralmente é entendido como seus valores relativos, parece que estes dois grupos altamente influentes deveriam estar em lados opostos. Realmente, a cruz vermelha sobre um fundo branco - símbolo dos templários - é com freqüência vista como um símbolo tipicamente pertencente às cruzadas. Porém, existem muitas indicações de que os templários eram, senão ativamente apoiados, vistos com certa simpatia pelos hereges das montanhas e é incontestável que os templários se notabilizaram por sua ausência na cruzada dos Albigenses.
Os cavaleiros admitiam abertamente que seu interesse primário, na ocasião, estava na longínqua Terra Santa, alem de muitos deles terem saído das mesmas famílias que os cátaros, mas nenhuma dessas razões pode explicar totalmente a falta de interesse dos templários em sair ao encalço dos cátaros.
Quais eram, porém, os verdadeiros interesses e motivações dos templários? Eles eram apenas os monges-guerreiros que afirmavam ser, ou havia algo de secreto em seus planos, uma outra dimensão oculta?
A corrente acadêmica afirma que idéias “ocultistas” sobre os templários são apenas tolices: a maioria dos historiadores atesta que eles eram apenas tão somente os monges-guerreiros que afirmavam ser, e qualquer insinuação que se faça de que eles estavam, mesmo que remotamente, envolvidos em qualquer coisa esotérica é resultado de fértil imaginação ou de pesquisa mal desenvolvida. Sendo isso um consenso, os historiadores que tem algum interesse nesse aspecto da Ordem não o demonstram abertamente por temerem perder sua reputação - e os fundos de pesquisa acadêmica. Tal tipo de pesquisa ou é evitada ou, se levada a cabo, permanece inédita. Há vários historiadores de renome que reservadamente reconhecem que o aspecto esotérico dos templários é importante, mas nunca o dirão publicamente.
Essa atitude fez com que se negligenciasse o estudo de alguns locais importantes relacionados com os templários. E descobrimos que a região que foi a maior vitima desse fenômeno, a um grau que beira a mistificação, é a área de nosso maior interesse; O Languedoc-Roussillon. Sem contar a Terra Santa, essa era a pátria da Ordem. Mais de 30 por cento de todas as fortalezas e edificações templárias em toda a Europa ficavam nessa pequena região. Contudo, apenas um volume desprezível de trabalho arqueológico foi lá realizado e existem varias localizações importantes que não mereceram qualquer investigação.
Felizmente a negligencia oficial é contrabalançada por muitos pesquisadores privados que tem um interesse apaixonado por estes misteriosos cavaleiros, e muito dos moradores locais vêem como seu dever preservar e proteger os antigos locais relacionados com os templários. Há também vários amadores - no sentido de que eles não são bancados por fundos de pesquisas - e organizações de pesquisa como o Centro de Estudos e Pesquisa dos Templários, dirigido por Georges Kiess, em Espéraza – Aude - de excelente qualidade. As descobertas feitas por estes entusiastas, através do estudo tanto dos locais quanto dos documentos relativos aos templários, que estão intactos e armazenados em arquivos locais, são impressionantes. Especialmente dada à falta de recursos oficiais e a completa frustração de lidar com arquivos apáticos.
Um destes grupos de pesquisas é o Abraxa, dirigido pelo britânico expatriado Nicole Daew e pelo texano Charles Bywaters, na estância hidromineral de Rennes-les-Bains, Aude. Suas pesquisas, em conjunto com as da rede de grupos semelhantes, realizaram descobertas sólidas e documentadas que, literalmente, reescrevem os estudos dedicados aos templários. Nadando contra a maré da apatia oficial, por um lado, e, pelo outro, tentando controlar o entusiasmo extremo dos caçadores de tesouro locais, que representam uma ameaça bastante real aos sítios arqueológicos de pesquisa, Nicole e Charles descobriram locais fundamentais relativos aos templários que, no entanto, nunca haviam sido tocados pelas pás dos arqueólogos. Grande parte de seus trabalhos ainda permanece inédita, embora eles planejem publicá-los em um futuro próximo.
Portanto, se quisermos saber mais sobre a vida dos templários, nesse berço da heresia que é o Languedoc-Roussillon, não devemos procurar os centros acadêmicos, mas sim Charles e Nicole. Feito isso, eles responderam que havia claras ligações entre os dois grupos e que estas foram bem alem de meros laços familiares os quais eram geralmente negligenciados pelos historiadores. Por exemplo, até mesmo no auge da cruzada dos Albigenses os templários abrigaram cátaros fugitivos, e existem exemplos documentados de que também prestaram socorro aos cavaleiros que abertamente lutaram ao lado dos cátaros contra os cruzados.
Como disse Nicole:
“Você só precisa cruzar os sobrenomes cátaros dos documentos da Santa Inquisição com os nomes dos templários do mesmo período para perceber que são os mesmos. No entanto, mais particularmente, é inegável que algumas edificações dos templários alojaram, deram abrigo, e até mesmo enterraram os cátaros em chão sagrado”.
Alguns têm sido cínicos a ponto de sugerir que isso ocorreu porque essas pessoas, a fim de se tornarem membros seculares to Templo, doaram-lhes todas as suas posses e bens. Na verdade, temos provas de cátaros que se socorreram junto aos templários depois de terem perdido completamente todo o que possuíam, e não só foram recolhidos em determinados abrigos, como lá foram enterrados ao morrerem. Mais tarde, os templários algumas vezes faziam o que estivesse ao seu alcance para assegurar as famílias cátaras, ou a seus descendentes, que tivessem suas terras de volta”.
Charles prosseguiu:
“Em uma área em particular, os templários, claramente permitiram que houvesse atividade hostil partindo de suas edificações. Os cavaleiros cátaros continuavam a lutar, e quando se retiravam, seguiam para uma propriedade dos templários. Esses fatos estão fartamente documentados”.
Isso representava algo bastante significativo para nos porque, dado que algumas das acusações levantadas contra os templários foram indubitavelmente forjadas, a única coisa não usada como evidencia contra eles foi a intima relação que mantinham com os cátaros desterrados. Que a Inquisição estava completamente ciente desse fato é revelado pelas escavações que fez nas propriedades templárias, desterrando os corpos dos cátaros a fim de queimá-los e dessa forma intimidar outros possíveis hereges, mesmo já tendo se passado mais de trinta anos desde o final da Cruzada. -E foi a inquisição que torturou os templários, portanto, se alguém sabia da conexão destes com os cátaros, esse alguém era a própria Santa Inquisição. Era obvio que havia mais coisas acontecendo, talvez até mesmo algo que fosse do conhecimento da Coroa Francesa, mas era algo considerado tão perigoso se fosse tornado publico que nenhuma palavra sobre o assunto veio a tona. Durante toda a nossa pesquisa sobre os templários, tivemos o desconfortável, e crescente, sentimento de que algum segredo monumental estava á espreita abaixo da superfície da historia oficial. Poderia ser que os templários e os cátaros compartilhassem algum conhecimento potencialmente explosivo? E esse segredo poderia ter sido o real motivo de Filipe o Belo ter arquitetado essa muito bem planejada campanha contra os templários?
Nem todos os templários pereceram naquela sexta feira fatídica do século XIII. Há muitos se permitiu que vivessem e recomeçassem usando um outro nome. Dois países, em particular, ofereceram moradias seguras para os cavaleiros fugitivos, a Escócia e Portugal e neste ultimo os templários tornaram-se conhecidos como os cavaleiros de Cristo.
A região ao redor de Languedoc - aprendemos com Charles e Nicole - foi testemunha de uma curiosa exceção no padrão geralmente empregado na perseguição. Roussillon - parte leste da região - na verdade vivia sob a proteção do reino espanhol de Aragon, enquanto que o norte, que incluía Carcassonne, fazia parte da França. Os templários de Roussillon foram presos, julgados e inocentados e quando o papa fechou oficialmente a Ordem, eles ou se juntaram a outras fraternidades semelhantes ou passaram o resto das vidas em suas terras vivendo de pensão.
Como sugeriram vários comentadores, os templários sobreviveram à tentativa de exterminá-los totalmente e continuaram existindo até hoje em dia, embora haja evidencias de que eles sofreram muitos cismas e operaram através de diferentes organizações, todas afirmando ser descendentes diretas da Ordem original.
Se os templários estivessem escondendo algo que fosse julgado extremamente perigoso pelo rei francês, a ponto de fazê-lo tomar uma ação drástica contra eles, o que poderia ser? Quem estava usando quem entre o papa e Filipe? De qualquer ângulo que vejamos esta historia, parece que um elo crucial está faltando.
Suponhamos que esse componente evasivo fosse do interesse do Monastério de Sion. Como já vimos, existem indicações de uma presencia sombria por trás do próprio surgimento dos templários, e esse mesmo grupo de manipuladores - quem quer que eles fossem - parecia dirigir a cena conforme sua vontade. Charles e Nicole não têm nenhuma duvida sobre a existência de um “circulo secreto” organizado dentro da própria liderança dos templários, o qual antedatou ao inicio oficial da Ordem. Eles assim prosseguem até o ponto de argumentar que o movimento templário fora criado para dar a esse circulo secreto uma face publica, na mesma época em que a Terra Santa fora aberta aos viajantes europeus.
Outros pesquisadores também chegaram à mesma conclusão. Como o escritor francês Jean Robin - utilizando-se das pesquisas de Geoges Cagger - afirma:
“A Ordem do templo constituía-se na verdade de sete círculos “externos” dedicados aos mistérios secundários, e de tres círculos “internos” correspondendo à iniciação nos grandes mistérios. E o “núcleo” era composto por aqueles setenta templários “interrogados” por Clemente V após terem sido presos”.
De modo semelhante, no seu “The Sign and the Seal”, o autor britânico Graham Hancock escreve:
“A pesquisa que eu havia conduzido sobre as crenças e comportamentos desse estranho grupo de monges-guerreiros convenceram-me de que eles haviam deparado com alguma tradição de sabedoria sumamente antiga”
Constituir um grupo interno secreto era algo bastante possível, pois os templários eram, essencialmente, uma escola de mistério, isso é; eles operavam como um sistema hierárquico que se baseava na iniciação e no segredo. É portanto bastante provável que não só os templários de patente rasa soubessem consideravelmente menos do que seus superiores, como as crenças desses últimos fossem bastante diferentes. É provável que a maioria dos cavaleiros templários não fosse mais do que os simples soldados cristãos que aparentavam ser. O circulo secreto, porem, era algo muito diferente.
A razão da existência do circulo secreto dos templários parece ter sido a de acelerar o avanço das pesquisas sobre questões esotéricas e religiosas. Talvez uma das razões para que se mantivessem em segredo fosse o fato de lidarem com aspectos enigmáticos relacionados aos mundos judeus e islâmicos. Eles buscavam, literalmente, os segredos do universo onde quer que suspeitassem que poderiam ser encontrados, e em sua rota geográfica e intelectual de incessantes questionamentos talvez viessem a tolerar, e até mesmo abraçar, algumas crenças não muito ortodoxas.
Naqueles dias a busca incessante de conhecimento deve ter sido uma força motriz particularmente forte e irresistível. Os templários, porem, não se interessariam de vontade própria por essas complexas pesquisas, afinal eles eram pessoas intrinsecamente praticas. Quando seguiam uma linha de pesquisa em particular era por uma razão muito boa e, por causa disso, deixaram certas pistas sobre o que realmente importava para eles.
Uma dessas pistas encontra-se nas obsessões de Bernard de Clairvaux, “eminence grise” dos templários. Esse ferino monge intelectual, aparentemente, devotava-se totalmente à Virgem Maria como bem o demonstram muitos de seus sermões. No entanto, parece-nos que a Virgem não era objeto do verdadeiro amor espiritual de Bernard. Era uma Maria completamente diferente cuja identidade é sugerida pelo fato dele ter sido particularmente apaixonado pelas Madonas Negras. Também chegou a escrever quase noventa sermões sobre o Cântico dos Cânticos e pregou de modo muito mais explicito ligando a “Noiva” a Maria de Betânea que naquela época era inquestionavelmente a própria Maria Madalena.
“Sou negra mas graciosa” diz a amante - uma frase que também une o Cântico dos Cânticos ao culto das Madonas Negras - a quem Bernard - que nasceu em Fontaines perto de Gijon, lugar central do culto das Madonas Negras - era excepcionalmente dedicado. Ele afirmou ter recebido sua inspiração como uma criança que recebe tres gotas do leite milagroso do peito da Madona Negra de Chãntillon. Especulou-se que isso era uma referencia codificada à iniciação dele, Bernard, ao culto das Madonas. E quando Bernard rezou pela segunda Cruzada, escolheu fazê-lo em Vézalay, centro fundamental ao culto de Maria Madalena.
Então é provável que a aparente devoção de Bernard para com a Virgem fosse simplesmente uma cortina de fumaça para a sua verdadeira paixão por Madalena, embora, é claro, as duas não sejam mutuamente exclusivas. Contudo, ao criar a Regra dos Templários, Bernard recomendou que os cavaleiros prestassem “obediência a Betânia e ao castelo de Maria e de Marta”. E ele é bem conhecido por ter repassado tal devoção particular á Ordem. Até mesmo em face da total extinção os cavaleiros aprisionados com o Grão-Mestre Jaques de Molay, nas masmorras da fortaleza de Chinon, compuseram uma oração dedicada a “Notre Dame” – “Nossa Dama”, “Nossa Senhora” - na qual mencionam São Bernardo como fundador da religião da Santificada Virgem Maria. Em face, porem, de todas as outras evidências, esse também pode ter sido uma outra referencia codificada ao culto de Madalena.
É bastante significativo que o juramento dos templários fosse a “Deus e a Nossa Senhora”, ou com freqüência a “Deus e a Santa Maria”. Alguns insinuam que a “Nossa Senhora” do juramento não é a Virgem, o que é reforçado pelas palavras da absolvição dos templários; “eu peço a Deus que me perdoe os meus pecados, como perdoou os de Santa Maria Madalena e os do ladrão que foi pregado na cruz”. Isso pelo menos demonstra a importância de Madalena para os templários. É notável que no caso dos templários de Roussillon, durante seu cativeiro, as condições em que se encontravam fossem deliberada e especificadamente pioradas – por ordem do próprio papa – no exato dia em que se comemorava Santa Maria Madalena. Lembremos que o massacre de Béziers também aconteceu no dia das festividades a Madalena para deixar bem clara a natureza da “heresia”.
Na realidade, os templários estavam preocupados com a idéia do Feminino como um todo, um conceito que pode parecer estar seriamente em conflito com sua imagem de guerreiros. Contudo, como Charles e Nicole descobriram, a Ordem do Templo incluía mulheres. Durante os primeiros anos de sua existência muitas mulheres fizeram o juramento da Ordem, embora tenham permanecido como membros seculares do Templo. Mesmo se não há nenhuma indicação de que havia um enclave de rainhas guerreiras dentro da Ordem dos templários, como afirmaram Michael Baigent e Richard Leigh em “The Temple and the Lodge” -1989:
“um antigo relato do século XII, na Inglaterra, fala de uma mulher que é recebida no Templo como uma irmã e insinua de modo bastante claro haver algum tipo de ala ou anexo feminino na Ordem. Contudo, nenhuma elaboração ou esclarecimento foi encontrado sobre esse assunto. Mesmo tal informação, que poderia estar contida nos registros oficiais da Inquisição, já há muito tempo desapareceu ou foi suprimida....”
Nicole e Charles, partindo de estudo profundo dos documentos dos templários, são bem mais enfáticos:
“Se você voltar aos documentos do século XII, verá que há inúmeros exemplos de mulheres que haviam se juntado a Ordem, com certeza em seu primeiro século de existência. Qualquer pessoa que ingressasse na ordem deveria em juramente “dar minha casa, minhas terras e meu corpo e alma à Ordem do Templo”. Você tem os nomes de mulheres no termino desse documento, assim como de homens também, e você tem com freqüência casais que ingressavam em conjunto e, portanto, as mulheres também deveriam fazer o juramento. Esses documentos são principalmente dessa região - o Languedoc - e existem muitos exemplos que demonstram que deve ter havido um numero bastante grande de mulheres envolvidas em determinada época”.
Os documentos também indicam que ouve uma mudança nas regras, porque passaram a proibir que os templários fossem mulheres, ficando subentendido que até aquele momento isso era possível. Quando expressamos nossa surpresa quanto a esse fato não ser amplamente conhecido, Charles explicou:
“Às vezes parece que muitas dessas informações foram intencionalmente negligenciadas. O que você obtém nos livros é um punhado de informações redundantes, a mesma coisa repetida inúmeras vezes. Isso faz com que tenhamos apenas duas opções possíveis: ou essas pessoas são cegas, ou por alguma razão muito especifica elas não estão interessadas naquelas informações. Se você é um pesquisador, o que supostamente essas pessoas são, essas informações deveriam fazê-los saltar. Porem, elas nem sequer levam isso em consideração”.
É notável que o arrastão geral de 13 de outubro de 1307 ocorresse sem derramamento de sangue. Por toda a França os senescais do rei receberam ordens lacradas que lhes comandavam que organizassem tropas suficientes para prender os mais bem treinados guerreiros da cristandade, algo como uma delegacia de policia receber ordem para prender tropas da Policia do exercito estacionadas na região. A maioria dos templários na França parece ter sido levada como cordeiros para o matadouro. É estranho que os cavaleiros não tenham pedido reforço de fora da França.
De modo significativo alguns dos cavaleiros - inclusive o tesoureiro da Ordem - conseguiram escapulir de um modo que indica que eles teriam sido avisados com antecedência. Alem disso, a famosa frota dos templários, fundeada na França, simplesmente desaparecera naquele momento. Em todos os registros das pilhagens dos templários feitas pelo rei francês, não há um único navio listado. Onde a frota foi parar? Dificilmente teria desaparecido no ar.
O circulo secreto dos templários, porem, perece ter caminhado grandes distancias a fim de preservar seu conhecimento secreto. Como o respeitado estudioso no Novo Testamento, Hugh Schonfield, demonstrou, os templários utilizaram um código conhecido como a “Cifra de Atbash”. Isso é algo verdadeiramente notável pois esse mesmo código havia sido usado pelos autores de alguns dos Manuscritos do Mar Morto mil anos antes da fundação da Ordem dos Templários. O que quer que isso signifique, por si só, já revela que os templários eram peritos em manter seus segredos através dos mais engenhosos meios, alem de mostrar que seus conhecimentos vinham de fontes longínquas e esotéricas. Schonfield revela que, quando o código é aplicado ao nome do misterioso ídolo decapitado venerado pelos templários, Baphomet, esse então se transforma na palavra grega “Sophia”. Graham Hancock escreve em “The Sign and the Seal” que “Sophia” significa nada mais nada menos que “sabedoria”. Na realidade, porem, significa muito mais do que isso, e seu significado total acrescenta uma luz diferente a toda “raison d´ètrte” dos templários.
Significando simplesmente “sabedoria” - em hebreu “Chokmah” - uma figura feminina que aparece no Antigo Testamento - especificadamente no livro dos Provérbios - Sophia, tem causado muito embaraço entre os estudiosos judeus e cristãos porque é apresentada como sendo a parceira de Deus, a que exerce influencia sobre ele e de fato o aconselha.
Sophia também era fundamental para a cosmologia gnóstica; na verdade, nos textos “Pistis” Sophia do Nag Hammadi está intimamente associada à Maria Madalena. E, assim como Chokmah, ela é a chave para se compreender o gnosticismo da Cabala - o importante e muito influente sistema esotérico que deu base para a magia do período medieval e do Renascimento. Para os gnósticos ela era a deusa grega Atenas e a deusa egípcia Ísis, que ás vezes também era chamada Sophia.
Tomado de forma isolada, é claro que o uso da palavra Sophia pelos templários, como a decodificação da palavra Baphomet, não revela qualquer reverencia especial em relação ao mundo feminino. Eles podiam muito bem estar apenas reverenciando a busca da sabedoria. Entretanto, existem muitas outras indicações de que isso fazia parte de uma profunda obsessão em relação ao principio feminino, que vai muito além de uma mera questão de semântica, a ponto dos templários, e na verdade de vários outros grupos esotéricos, estarem bastante interessados nesta questão.
Como nos diz o pesquisador escocês Niven Sinclair, cujos conhecimentos sobre os templários é particularmente extenso: “Os Templários decididamente acreditavam no poder feminino”. Niven não tem qualquer duvida a esse respeito e não há nada de estranho nisso.
Os Templários habitualmente davam um formato circular a suas igrejas, pois acreditavam que essa era a forma do Templo de Salomão. Por outro lado, isso pode ter simbolizado a idéia de um universo redondo, mas é mais provável que representasse o feminino. Círculos e ciclos, sempre estiveram associados à deusa e a tudo o que é feminino, seja esotérico ou biológico. É um símbolo arquetípico recorrente na historia da civilização: as sepulturas da era pré-histórica eram montículos arredondados porque representavam o útero da mãe terra que tomaria de volta o defunto para que então renascesse entre os espíritos. E todos nos estamos familiarizados com o arredondamento de uma barriga grávida e com o símbolo da frase “Mãe” das deusas à lua cheia. Qualquer que seja o significado preciso do formato circular para os Templários, não há nenhuma duvida de que esses sempre foram eminentemente ‘masculinos’. E após a época dos Templários a construção de igrejas em formato circular foi oficialmente considerada herética pela igreja. Porem, como já notamos, a igreja francesa de Londres é redonda, uma característica que se repete e é reforçada por outros motivos decorativos, tanto internos quanto externos.
Os Templários, parece, haviam acumulado conhecimentos exóticos e heréticos, mas isso foi acidental ou proposital? As evidencias apontam para esta ultima hipótese: eles estavam em busca de certos segredos que, uma vez sob seu poder, lhes permitiriam optar entre aplicá-los ou retê-los. Uma vez que muitos de seus segredos ainda permaneciam sob sua guarda, os Templários deixaram algumas pistas de alguns deles em forma de códigos, algumas até mesmo esculpidas em pedra.
Os cavaleiros Templários eram a força motriz por traz da construção das grandes catedrais góticas - especialmente a de Chartres. Sendo os principais, e com freqüência os únicos “desenvolvimentistas” nos grandes centros culturais europeus, também estavam por traz da formação das guildas de construtores, incluindo a de pedreiros, que se tornaram membros seculares da Ordem dos Templários com vantagens que incluíam a isenção de pagamento de taxas.
Por toda a longa historia das grandes catedrais o estranho simbolismo dos motivos de decoração e do projeto confundiu peritos das mais diversas disciplinas. Foi apenas recentemente que tal simbolismo passou a ser visto como o que realmente era: a codificação do conhecimento esotérico dos Templários. Graham Hancock, ao discutir a arquitetura sagrada dos antigos egípcios, nota que ela só foi igualada na Europa pelas grandes catedrais góticas da idade media, como a de Chartres, e coloca a seguinte questão: ‘Terá sido mero acidente?’ Hancock continua:
Já suspeitara há muito tempo que realmente tinha havido uma conexão e que os cavaleiros Templários, através de suas descobertas durante as Cruzadas, poderiam ter formado o elo perdido na cadeia de transmissão dos conhecimentos arquitetônicos secretos. São Bernardo, o protetor dos Templários, havia definido Deus, o que é inacreditável tratando-se de um cristão, com “comprimento, altura, largura e profundidade”. Também não poderia deixar de lembrar que os próprios Templários haviam sido grandes construtores e grandes arquitetos, ou que a ordem monástica dos cistercienses, a qual São Bernardo pertencera, também se superara nesse campo particular da atividade humana.

O projeto das catedrais foi especificadamente elaborado para levar em conta, para exemplificar, os princípios da geometria sagrada. É a idéia de que a proporção geométrica traz dentro de si uma ressonância da harmonia divina, e a de que algumas proporções em particular são mais divinas do que outras. É isso que está por traz da rude declaração de Pitágoras de que “o numero é tudo” e reforça o conceito hermético de que as matemáticas são o código através do qual os deuses falam com a humanidade. Os artistas e projetistas do Renascimento eram grandes adeptos dessa arquitetura esotérica em particular, para quem a “relação aura” – para eles a proporção perfeita – era quase que uma panacéia universal. Porem, de modo algum se limitaram a essa explicação, e o conceito da geometria sagrada permeou todos os aspectos de suas vidas intelectuais. Os desenhos de Leonardo, sejam de homens ou de máquinas, o interior das flores ou o formato de uma onda, comunicava a convicção do artista de que havia significados nos padrões e harmonia nas proporções, e um de seus desenhos mais famosos, O Homem Vitruviano, literalmente incorpora a relação áurea.


Este é o homem vitruviano de Leonardo da Vinci que é conservado nas Galerias da Academia de Veneza. O desenho remonta ao ano 1490, é uma das obras mais famosas do artista e ilustra o cânone das proporções humanas que Vitruvio, arquiteto romano do I século a.C., havia colocado no centro da sua teoria arquitetônica.
É evidente que esse é o motivo da redescoberta do homem vitruviano na idade do renascimento, porque ao homem, naquele momento, continuava sendo atribuída a dimensão ideal – a proporção divina - para o dimensionamento de todas as coisas.
Ho homem, por exemplo – a exceção dos que nasceram imperfeitos devido a causas varias a nível pré-natal – independente da sua altura, terá sempre seus contornos físicos obedecendo a idênticas dimensões, ou seja, o mesmo padrão.

O legendário Templo de Salomão era, para os Templários e para os Maçons que vieram depois, a jóia da coroa e o melhor exemplar da geometria sagrada. Não apenas era uma suprema delicia para os olhos de qualquer um que o observasse ou rezasse dentro dele, como seu alcance ia muito além dos cinco sentidos. Foi pensado para ressonar - de um modo transcendental e sem igual - com a própria harmonia celestial; seu cumprimento e largura, altura e profundidade estavam completamente de acordo com as proporções mais adoradas pelo universo. O Templo de Salomão era tido como sendo a própria alma de Deus escrita na rocha.
Muitos dos atuais visitantes ficam perplexos com os motivos, de clara natureza astrológicas, gravados nas pedras das antigas catedrais. Com certeza, alguém hoje poderia chegar a pensar que o inconfundível símbolo de Áries esculpido na entrada principal de tão veneráveis edificações deve ser uma aberração, uma excentricidade pessoal de algum dos pedreiros. No entanto, em muitas catedrais diferentes esses sinais se repetem e nunca de forma fortuita.
Todo o grandioso simbolismo encontrado nas catedrais era entendido pelos iniciados da época como um reflexo do antigo provérbio hermético: “Assim em cima, assim embaixo”. Acreditava-se que a frase tivesse vindo da Tabua das esmeraldas, de Hermete Trimegisto, o lendário mágico ou mago egípcio, embora as palavras que a compõe possam ser muito mais antigas. Elas querem dizer que tudo o que há na terra tem numa contra partida no céu e vice-versa, conceito que Platão tornou popular com sua noção do “Mundo das idéias”. De acordo com isso, tudo o que existe, de uma colher até um homem, é somente uma versão de um modelo ideal que existe em algum tipo de dimensão alternativa plena de modelos perfeitos. Os magos ou magi foram mais adiante.
Acreditavam que todo pensamento ou ato refletia-se em outro plano e que ambas as dimensões afetavam uma a outra de um modo irresistível. Existem ressonâncias desse conceito na moderna idéia cientifica de universos paralelos, assim como nas historias dos deuses antigos, com os seus ciúmes insignificantes e, com freqüência, sórdidas obsessões, que eram vistos como sendo os representantes arquetípicos da raça humana. Para nossos ancestrais não havia nenhuma discrepância em prostrar-se humildemente perante o grande deus do Olímpo, Zeus, e ao mesmo tempo acreditar que ele, ocasionalmente, tomava a forma de um animal para seduzir as moças da Terra. Era esperado de um deus que se comportasse como um homem, porém - o inverso desse conceito é a idéia “herética” para os judeus e cristãos - de que um homem pudesse se tornar um deus.
Nada disso era novidade para os Templários. O projeto das catedrais revela uma compreensão dos princípios herméticos por parte dos pedreiros, assim como dos cavaleiros que patrocinavam a construção. Eles, de todos os povos medievais, apreciavam especialmente a aplicação pratica , onde quer que fosse possível, de todo e qualquer conhecimento esotérico. Para eles a codificação das mensagens secretas nas próprias pedras das catedrais ia muito além de mera fantasia. Como Baigent e Leigh dizem no seu livro “The Temple and the Lodge”: Deus havia ensinado a aplicação pratica da geometria sagrada através da arquitetura. E novamente nos vimos caminhando em direção ao Templo de Salomão.
Filho do legendário herói judeu, o rei Davi, Salomão construiu um templo de profunda beleza utilizando os melhores e mais caros materiais. Foram usados mármores e pedras preciosas, madeiras aromáticas e os tecidos mais raros para criar um lugar que faria os sentidos dos veneradores flutuar em delicia, onde o próprio Deus se sentiria em casa. No centro de tudo ficava o mais sagrado dentre o sagrado, e ai o sacerdote poderia receber o Todo Poderoso por meio do mais misterioso dos instrumentos, a Arca da Aliança. Este dispositivo notoriamente temperamental era, por um lado, conhecido por conceder grandes benções àqueles que eram virtuosos, mas, por outro lado, destruiria os malfeitores ou aqueles aquém não houvesse sido dito como combater os efeitos de sua presença maligna. Para os Templários isso talvez se parecesse como a arma suprema, e, portanto, saíram em sua busca conforme alguns tem sugerido.
Talvez existam pistas daquilo que os Templários realmente acreditavam ser o significado da “Arca”, presente nos motivos decorativos das catedrais. Por exemplo, a Catedral de Chartres, fruto da imaginação de sua “éminence grise” Bernard de Clairvaux, contem uma escultura de pedra que parece ser a Virgem Maria na qual está gravada a marca “arcis foederis”: Arca da Aliança. Isso por si só não é muito significativo, pois esse era um símbolo cristão comum no período medieval. Mas como Chartres era um ponto central para o culto da Madona Negra, estaria a Arca sendo comparada com aquela outra Maria, a Madalena, ou até mesmo com uma deusa pagã muito mais antiga? Talvez seja o próprio principio feminino que esteja sendo evocado, utilizando-se, para despistar, o símbolo de Maria. Isso não pode ser uma referencia à própria Virgem, pois os arquitetos da catedral gótica tinham uma razão especial para evocar o Arquétipo de “uma mulher sexualmente ativa”. É também significativo que as primeiras representações da lenda da vida de Maria Madalena, na França, estivessem nos vitrais da Catedral de Chartres.
Na verdade é a difamada e bem pouco compreendida alquimia que, com freqüência, está por traz dos motivos aparentemente bizarros das construções góticas - e era realmente a alquimia que aparentava ser o dado em comum entre a maioria dos Grão-Mestres do Monastério de Sion. Acredita-se que a alquimia tenha sido transmitida pelo Egito antigo através dos árabes - a própria palavra, alias, deriva do árabe. A alquimia significava mais do que ciência: a pratica compreendia uma bem concatenada teia de atividades encadeadas e modo de pensar, da magia à química, da filosofia e hermetismo à geometria sagrada e a cosmologia. Também pesquisava o que hoje chamaríamos de engenharia genética - método para retardar o processo de envelhecimento - e a tentativa de conquistar a imortalidade física. Os alquimistas ansiavam por conhecimentos e não tinham tempo a perder com antagonismos da igreja contra as experimentações. Eles, então, se ocultaram e continuaram suas pesquisas secretamente. Para os alquimistas não existia tal coisa chamada heresia, enquanto que para a igreja não existia um alquimista que não fosse herético; conseqüentemente, a pratica da alquimia tornou-se conhecida como ‘Magia Negra’.
A alquimia compreendia diversos níveis: o externo, ou esotérico, que se dirigia à manipulação e experimentações dos metais, mas havia outros níveis, muito mais secretos e que incluíam a realização misteriosa da “Grande Obra”. Tal coisa era vista como o momento supremo da vida de um alquimista, quando então, finalmente, transforma-se metal comum em ouro. Nos círculos esotéricos, porem, isso também é visto como o ponto em que a pessoa se torna espiritualmente iluminada e fisicamente revitalizada, através de um “trabalho” de magia que gira em torna da sexualidade. Parece que a Grande Obra representava um ato de iniciação suprema.
Talvez se acreditasse que esse ritual fosse capaz de proporcionar a longevidade: existem rumores que afirmam que Nicolas Flamel, supostamente Grão-Mestre do Monastério de Sion, realizou a Grande Obra em companhia de sua mulher Perenelle no dia 17 de janeiro de 1382 e que teria, após tal realização, vivido durante um tempo excepcionalmente longo.
Em alquimia o símbolo para designar a consecução da Grande Obra é o hermafrodita: literalmente a junção do deus Hermes com a deusa Afrodite. Leonardo era fascinado pelos hermafroditas, chegando a ponto de preencher paginas e mais paginas com esboços destes de um modo um tanto pornográfico. Um estudo recente sobre o retrato mais famoso do mundo - o maliciosamente enigmático sorriso de Mona Lisa - mostrou de forma persuasiva que “ela” era ninguém mais ninguém menos que o próprio Leonardo. Os pesquisadores, Doutores Digby Quested - do Hospital de Maudsley em Londres, e Lílian Schwartz - dos Laboratórios Bell nos E.U.A., utilizaram as mais sofisticadas técnicas de computação, independentemente um do outro, para sobrepor a face do retrato com a face do artista: o resultado foi uma justaposição perfeita. Talvez essa fosse mais uma das inacreditáveis e inteligentes piadas que ele legou para a posteridade, mas há também a possibilidade de que Leonardo, sendo um alquimista, estivesse sumariando o fato de ter realizado a Grande Obra.
Alguns acreditam que tal feito poderia ocasionar uma transformação física tão profunda que o bem-sucedido alquimista poderia até mesmo mudar de sexo. Talvez fosse este o conceito por traz da Mona Lisa. Mas o símbolo do hermafrodita também representa o momento do orgasmo, quando tanto o macho como a fêmea que participam do ritual são envolvidos pela sensação de plena união um com o outro, incluindo a expansão dos próprios limites em direção a uma consciência mística de si mesmos e do universo.
As catedrais góticas ostentam muitas figuras curiosas, de demônios a homens verdes. Alguns, porem, ultrapassam o estranhamento: uma escultura na Catedral de Nantes mostra uma mulher olhando para um espelho, embora o reflexo seja, na verdade, o de um homem velho. E em Chartres a escultura da “Rainha de Saba”, de fato, porta uma barba! Os símbolos alquímicos podem ser encontrados em muitas das catedrais associadas aos cavaleiros Templários.
Essas correlações são implícitas, mas Charles Bywaters e Nicole Dawe descobriram locais relacionados com os Templários no Languedoc-Roussillon que continham um simbolismo alquímico explicito:
“Nossa pesquisa mostrou, entre outras coisas, que eles estavam de alguma forma bastante familiarizados com as propriedades do solo. Em uma área, em particular, eles construíram um Hospital para os Templários que voltavam da Terra Santa, pois ali a terra tinha propriedades curativas. Existem símbolos alquímicos neste local....
Fica bastante claro que estavam familiarizados com a alquimia. É significativo encontrar-se um local que fora especificadamente escolhido em virtude da natureza da terra, onde existem evidentes símbolos alquímicos em sua estrutura e alem de muitos elementos vinculados aos cátaros e aos muçulmanos. E esta evidencia é consistente, documentada, e bastante fácil de ser provada”.
Durante nossas viagens à França, repetidamente, vimos que as cidades que haviam sido propriedades dos Templários, como Utelle - na Provença e Alet-les-Bains - no Languedoc, subseqüentemente haviam se tornados centros de alquimia. Também é significativo que os alquimistas, assim como os Templários, reverenciassem a figura de João Batista de um modo especial.
Como já vimos, as grandes catedrais e muitas das igrejas mais famosas foram construídas em locais conhecidos por terem sido consagrados a deusas antigas. Por exemplo, Notre-Dame, em Paris, erigiu-se sobre as fundações de um templo dedicado a Diana, e St Sulpice, em Paris, foi construída sobre as ruínas de um templo dedicado a Ísis. Tomado isoladamente este ponto nada tem de incomum, pois por toda parte, na Europa, foram construídas igrejas cristãs sobre antigos locais pagãos como um movimento deliberado por parte da igreja a fim de demonstrar que essa havia triunfado sobre eles. Mas, com freqüência, o que na verdade acontecia era que os habitantes locais simplesmente adaptavam seus costumes pagãos ao cristianismo, e, então, viam o local da nova igreja como sendo complementar e não oposto à antiga Religião. No entanto, em face dos evidentes interesses mais profundos dos Templários, não poderia ser que no caso das catedrais eles pretendessem dar continuidade à veneração do principio feminino ao invés de suprimi-lo? Talvez as catedrais fossem hinos às deusas esculpidas na rocha. E Notre-Dame, a quem tantos deles eram dedicados, era na verdade o próprio princípio feminino ou, Sophia...
A maioria das pessoas hoje pensa na arquitetura gótica como algo essencialmente “masculino”, com seus pináculos desafiando as alturas e naves em forma de cruz, mas a maior parte da decoração interna é intensamente feminina, especialmente as esplendidas janelas em forma de rosa. Bárbara G. Walker indica outros significados:
“A rosa, que os antigos romanos conheciam como Flor de Vênus, era o distintivo das prostitutas sagradas. As coisas ditas “debaixo da rosa” - sub rosa - eram parte dos mistérios sexuais de Vênus que não seriam revelados aos não iniciados.
Na época áurea da construção das catedrais, quando Maria era venerada como uma Deusa em seu “Palácio da Rainha Celestial”, ou Notre-Dame, ela foi com freqüência chamada de Rosa: Rosa-arbusto, Rosa-guirlanda, Rosa mística. Assim como um templo pagão, a catedral gótica representava o corpo da Deusa que também era o universo, enquanto continha a essência de divindade masculina dentro de si mesma...
A Rosa, como veremos, também era um símbolo adotado pelos trovadores, esses cantores de canções de amor do sul da França que estão intimamente ligados com os mistérios eróticos”.
Outros símbolos encontrados nas catedrais góticas trazem potentes mensagens subliminares sobre o poder feminino. As teias de aranha esculpidas - uma imagem que se repete na cúpula em forma de clarabóia da igreja de Notre-Dame, em Londres - representa Aracne, a deus-aranha que rege o destino dos homens, ou Ísis no papel da tecelã do destino. Da mesma forma, o grande labirinto pintado no chão da Catedral de Chartres refere-se aos mistérios femininos e através dele o iniciado só consegue encontrar o caminho se seguir o fio de linha fornecido pela Deusa. Esse lugar, portanto, não foi planejado para ser palco de veneração da Virgem Maria, em particular porque também abriga uma Madona Negra, Notre Dame de Souterrain - Nossa Senhora do Subterrâneo. Em Chartres também há um vitral que descreve a chegada do barco de Madalena à França, combinando assim uma referencia à lenda desta com a de Ísis, para quem os barcos também eram um meio de transporte predileto. - Talvez o Nautonnier, o timoneiro, titulo do Grão-Mestre do Monastério, decorra de seu papel assumido no Navio de Ísis. Esse vitral é a mais antiga representação da lenda de Madalena na França e, uma catedral há muitos quilômetros de Proença foi considerada pelos arquitetos algo de grande significado.
Ao mesmo tempo em que as catedrais estavam sendo construídas, a heresia encontrava outra porta, desta feita assegurando-se de que sua mensagem seria lembrada pela historia, embora, como na Ultima Ceia de Leonardo, as decodificações através das quais essas mensagens encontram expressão sejam, com freqüência, marcadas pela pouca compreensão em relação ao que está realmente sendo dito. Essa outra tradição herética era a das lendas do Graal.
Hoje o termo “Santo Graal“ é freqüentemente utilizado com o significado de uma meta fugidia, o premio resplandecente que ira coroar o trabalho de toda uma vida. A maioria das pessoas, no entanto, percebe que isso está relacionado com algo mais antigo e religioso em sua natureza, e no geral com a taça em que Jesus bebeu na Ultima Ceia.
Uma lenda conta que José de Arimatéia, o rico amigo de Jesus, nela coletou o sangue derramado na Crucificação, sangue em que foram encontradas propriedades curativas. A procura do Santo Graal é vista como uma busca repleta de perigos físicos e espirituais, em que aquele que procura tem que se bater com as mais diversas espécies de inimigo, incluindo os do reino sobrenatural. Em todas as versões da historia a taça é um objeto, literal e simbolicamente, da perfeição. Ela representa algo que pertence a duas dimensões, a real e a mítica, e é capaz de cativar a imaginação como nenhuma outra coisa.
O Graal pode ser visto como um objeto misterioso, um tesouro verdadeiro que está em algum lugar de alguma caverna, mas que, entretanto, sempre carrega a idéia implícita de que simboliza algo inefável, muito alem do mundo cotidiano. Essa áurea de busca espiritual surgiu não só das lendas originais do Graal, como também da cultura onde ela pela primeira vez apareceu.
Em nossa opinião, dentre os milhões de palavras que foram dedicadas a esse assunto no decorrer dos séculos, algumas das mais sabias podem ser encontradas no livro “The Holy Grail” de Malcolm Godwin, publicado em 1994. Esse livro é um sumario notável de todas as lendas e interpretações disparatadas, com a percepção de chegar diretamente ao cerne da matéria através da verbosidade dos estilos. Colocando de lado as habituais visões cristãs e celtas dos romances sobre o Graal dos séculos XII e XIII, Godwin também identifica uma outra visão igualmente importante, a alquímica. Ele revela que as versões mais antigas da historia do Graal sem duvida beberam nas fontes dos mitos celtas que permeiam os contos do grande herói Rei Artur e sua corte, e muitos dos elementos desses contos focalizavam os aspectos da veneração das divindades pelos celtas. As historias do Graal redefinem as antigas lendas celtas e as estendem a fim de abarcar as idéias heréticas que estavam em voga no século XIII.
O primeiro romance sobre o Graal foi o inacabado Le Conte Del Graal (c.1190), de Chréien de Troyes. A cidade de Troyes, de onde Chrétien tirou seu sobrenome, era um centro cabalístico e o local da preceptoria original dos Templários, alem de ser a cidade onde o Conde de Champanhe estabeleceu sua corte. Na verdade a maioria dos nove primeiros cavaleiros templários era vassala deste. A igreja mais famosa de Troyes é dedicada a Maria Madalena.
Na versão de Chrétien não há nenhuma menção de o Graal ser uma taça, nem há qualquer conexão explicita com a Ultima Ceia ou com Jesus Cristo. Na realidade não há qualquer conotação religiosa e já foi dito que sua ambientação original é claramente pagã. Aqui, no entanto, o Graal era uma bandeja ou prato, o que, como veremos, é algo bastante significativo. Na verdade, Chrétien se inspirou em um antigo conto celta no qual o herói, Peredur, deveria, em sua busca, se deparar com uma procissão horripilante e aparentemente extremamente ritualística em um certo castelo remoto. Sendo levada nessa procissão havia, entre outras coisas, uma lança que gotejava sangue e uma cabeça decapitada em uma bandeja. Uma característica comum nas historias do Graal é aquele momento critico em que o herói falha ao tentar formular uma pergunta importante, e é esse pecado de omissão que o coloca em grande perigo.
Como diz Malcolm Godwin: Aqui, a pergunta que não é feita está relacionada com a natureza da cabeça. Se Peredur tivesse perguntado de quem era a cabeça, e que relação tinha com ele, ficaria sabendo como quebrar os encantamentos da Terra Devastada. - A terra havia sido amaldiçoada e tornara-se infértil.
Mesmo não tendo um fim a historia de Chrétien era de uma fuga bem sucedida que deu origem a uma serie enorme de imitações, a maioria de caráter explicitamente cristão. Mas, como diz Malcolm, falando dos monges que lhe escreveram:
“Eles manobraram a fim de esconder uma obra de profunda heresia dentro desse mistério piedoso, de modo que tanto a lenda quanto o autor sobreviveram ao zelo ígneo dos padres da igreja. As mentes ortodoxas de Roma papal, embora nunca tivessem reconhecido, de fato, a existência do Graal, surpreendentemente se acovardaram em denunciar tal heresia... E é mais curioso ainda que a lenda sobrevivesse intacta ante a queda dos cátaros heréticos...e até mesmo dos Cavaleiros Templários que estavam claramente caracterizados em vários textos”.
Uma dessas versões cristianizadas era “Perlesvaus”, que foi, segundo alguns, escrito por um monge na Abadia de Glastonbury em 1205, enquanto que para outros esta obra é de um templário anônimo. Esse conto, na verdade, fala sobre duas buscas que estão entrelaçadas. O Cavaleiro Gawain procura a espada que decapitou João Batista a qual magicamente sangra diariamente ao meio dia. Em um episodio o herói encontra uma carroça que continha 150 cabeças decapitadas de cavaleiros: algumas estavam marcadas com ouro, algumas com prata e outras com chumbo. E há também uma estranha donzela que carrega em uma das mãos a cabeça de um rei, marcada com prata, e na outra a de uma rainha, selada com chumbo.
Em Perlesvaus os servos da elite do Graal usavam artigos de vestuário branco com seu brasão gravado - uma cruz vermelha - exatamente como os templários. Também há uma cruz vermelha que estava fincada em uma floresta e que se tornou um grande tormento para um dos padres, pois este bateu nela “em todas as partes” com uma vara, um episodio que tem uma clara conexão com a acusação de que os templários haviam batido e pisoteado na cruz. E, mais uma vez, há uma cena curiosa que envolve cabeças decapitadas. Um dos guardiões do Graal diz ao herói Percival: “Existem as cabeças marcadas em prata, cabeças marcadas em chumbo e os corpos a quem estas cabeças pertencem: eu digo o que você tem que fazer: vá la e pegue as cabeças do Rei e da Rainha”.
O simbolismo alquímico é pródigo: metais preciosos e comuns, reis e rainhas. Tal imaginário também é encontrado em abundancia em outra grande obra reescrita sobre a lenda do Graal. Apesar da tácita aversão da igreja para com o Graal, a versão mais cristianizada foi escrita por uma equipe de monges cistercienses denominada “Queste Del San Graal”, é notável pelo fato de utilizar-se do Cântico dos Cânticos para compor seu poderoso simbolismo místico.
De todas as estranhas historias do Graal a mais estranha e provocante de todas foi Parzival, do poeta bávaro Wolfranm van Eschenbach -1220. Nela o autor declara estar deliberadamente corrigindo a versão de Chrétiens de Troyes, que não contem toda a informação disponível. Ele afirma que sua historia é a mais precisa porque ele conseguiu a verdadeira historia com um Kyot, da Provença, que foi identificado como Guiot de Provins, um monge que tanto falava pelos Templários como cantava como um trovador. Como Wolfram escreve em Parzival: O conto autentico com a conclusão para o romance foi enviado da Provença para as terras alemãs. Mas qual era esta conclusão? Em Parzival o Castelo do Graal é um lugar secreto, vigiado pelos templários – que Wolfram chama de os “homens batizados” - o que é bastante significativo porque são enviados para espalhar sua fé em segredo.
No final da historia a portadora do Graal é o meio-irmão de Parzival – Fierefiz - partem para a índia e tem um filho chamado João - o famoso Prestes João - que é o primeiro de uma linhagem que sempre recebe o nome de João...Seria essa uma referencia codificada ao Monastério de Sion, cujos Grão-Mestres, supostamente, recebem esse mesmo nome?
O conceito de linhagem é fundamental para as teorias relativas ao Graal de Baigent, Leigh e Lincoln. Como o titulo do primeiro livro deixa claro, para eles o “Santo Graal” era de fato o “Santo Sangue”. Isto se baseia na idéia de que o original francês “Sangraal”, que é comumente entendido como “san graal”, - Santo Graal -, deveria ter sua leitura corrigida para “sang real”, o sangue real, que para eles significa uma linhagem sanguínea hereditária. Baigent, Leigh e Lincoln, conectam a ênfase dada à linhagem nas lendas do Graal com o que eles acreditam ser o grande segredo relacionado a Jesus e Madalena que teriam sido marido e mulher, e propõe sua própria teoria: o Graal das lendas era uma referencia simbólica aos descendentes de Jesus e Maria Madalena.
De acordo com esta teoria, os guardiões do Graal eram aqueles que conheciam essa linhagem sagrada secreta, como, por exemplo, os templários e o Monastério de Sion.
Entretanto, existe um problema com essa idéia: nas histórias do Graal a ênfase está na linhagem dos Guardiões do Graal e na dos descobridores do Graal: o próprio Graal é o que os está separando. Embora fosse bem possível que as lendas se referissem à guarda de um segredo mantido por certas famílias e que foi passado de geração para geração, parece improvável que eles realmente estivessem aludindo a uma linhagem sangüínea. Afinal, quando a idéia passou a ser cogitada ela veio à tona na forma de uma única palavra francesa “sangraal”, e, como já vimos, existem serias dificuldades em uma hipótese que se alicerça na idéia de continuidade de “uma linhagem sangüínea pura” através dos tempos.
A ligação entre as historias do Graal e o legado dos templários parece ser verdadeiro o suficiente. Wolfram Von Eschenbach é crível por ter viajado bastante e por conhecer os centros templários do Oriente Médio e por seu conto ser, de longe, o mais explicitamente templário de todos os romances sobre o Graal. Como diz Malcolm Godwin: ao longo de Parzival Wolfram entremeia seu relato com discussões sobre a astrologia, alquimia, a cabala e as novas idéias espirituais do oriente. Ele inclui também um obvio simbolismo que nos remete diretamente ao Tarô.
É nessa versão que os guardiões do Graal no Castelo Monsalvasch são explicitamente chamados de templários. O Castelo original foi identificado como sendo o de Montségur, a ultima das grandes fortalezas dos cátaros. A narrativa, em outro poema de Wolfram, invoca o Senhor do Graal do Castelo de Perilla. O verdadeiro senhor de Montségur à época do poeta era Ramon de Perella. Mais uma vez encontramos uma ligação entre os templários e cátaros, entre si e com um indefinido, porem extremamente valioso tesouro.
Não há qualquer taça dotada de poderes sobrenaturais na versão de Wolfram; aqui o Graal é uma pedra, “lapsit exillis”, que provavelmente significa a Pedra da Morte, embora isso seja mera especulação. Ninguém sabe realmente. Outras explicações afirmam que a pedra era uma jóia que se soltou da coroa de Lúcifer quando este decaiu do céu para a terra ou que é a famosa Pedra Filosofal “lápis elixir” dos alquimistas. Dentro do contesto, essa ultima interpretação é a mais provável: o texto todo é farto em simbolismo alquímico.
Alguns escritores viram a personagem Cundrie, a “mensageira do Graal” em Parzival, como sendo a representação de Maria Madalena. - Certamente Wagner assim o fez: em sua opera Parsifal, de 1882, sua Kundry possui um frasco de balsamo e lava os pés do herói, e então, como se fosse Madalena, seca-os com os próprios cabelos. Talvez haja alguma ressonância da taça do Graal na jarra de alabastro que Madalena carrega na tradicional iconografia cristã.
Em todas as historias, porem, a busca do Graal é uma alegoria para uma viagem espiritual do herói em direção - e para alem – da transformação pessoal. E como vimos, um dos principais motivos de toda alquimia séria era exatamente esse. Mas foi apenas este subtexto alquímico que fez com que todas as lendas de Graal fossem heréticas?
A igreja, sem duvida, sentia-se mortalmente ofendida pelo fato de as historias do Graal ignorarem ou absterem-se de afirmar sua autoridade e a sucessão apostólica. O herói age por si só, embora ocasionalmente receba ajuda, em sua busca de esclarecimento espiritual e transformação. Assim, em essência, as lendas do Graal são textos gnósticos que enfatizam a responsabilidade do individuo em relação ao estagio de evolução da sua própria alma.
Porem, existem muito mais coisas capazes de ofender a sensibilidade da igreja que estão implícitas em todas as historias do Graal. Pois a busca do Graal é, inevitavelmente, apresentada como sendo reservada apenas para os iniciados do mais alto grau - a nata da elite - algo que está muito alem até mesmo da trandescendencia da missa. Alem disso, em todas as historias do Graal, o próprio objeto, qualquer que ele seja, é guardado por mulheres. Até mesmo na historia celta de Peredur os jovens até podem portar uma lança, mas são as damas que levam o que podemos chamar de protótipo do Graal, a bandeja com a cabeça. Mas como poderiam as mulheres realizar um papel de autoridade em algo que era efetivamente uma forma mais sublime de Missa? Lembremos que os cátaros, cuja fortaleza de Montségur era quase com certeza o original para o Castelo do Graal de Wolfram, mantinham um sistema de igualdade sexual de forma que homens e mulheres poderiam ser chamados de “padres”.
No entanto, é a conexão com os templários que é mais difundida nas historias do Graal. Como vários comentadores apontaram, a acusação de que os cavaleiros adoravam uma cabeça decapitada - que se acreditava ser a de Baphomet - tem ressonância com os romances de Graal nos quais, como já vimos, as cabeças decapitadas aparecem em toda parte. Os templários foram acusados de atribuir a esse Baphomet poderes semelhantes aos do Graal: ele poderia fazer com que as arvores florescessem e a terra se tornasse fértil. Na verdade, os templários não só foram acusados de idolatrar essa cabeça, como também mantinham em seu poder um relicário de prata, na forma de um crânio feminino, no qual estava gravado simplesmente “caput” - cabeça.
Hugh Shonfield, ao considerar as implicações relacionadas a essa cabeça feminina, juntamente com sua “interpretação” da palavra Baphomet como significado de Sophia, escreve:
Parece haver pouca duvida de que a bela cabeça feminina dos templários representasse Sophia em seu aspecto feminino, assim como também Ísis, e ela estava conectada com Maria Madalena na interpretação cristã.
As relíquias dos templários também têm a reputação de incluírem o suposto dedo indicador de João Batista. Isso pode ser bem mais significativo do que parece a primeira vista. Como nos vimos, Leonardo, com freqüência, retratou alguns personagens em cenas religiosas que deliberada e ritualisticamente colocavam em riste seu dedo indicador, e esse gesto parece estar conectado com João Batista. Por exemplo, vimos como um individuo que parecia estar venerando uma alfarrobeira em “A Adoração dos Reis Magos” estava fazendo esse gesto: tanto a arvore quanto o gesto estão relacionados a João. A relíquia que afirmam ter pertencido aos templários pode ter sido a razão material que fez com que Leonardo adotasse tal imagem.
Jacobus de Voragine em seu livro “Golden Legend” narra uma tradição que diz que o dedo de João Batista, a única parte do cadáver sem cabeça que escapou da destruição ordenada pelo imperador Juliano, foi trazido para a França por Santa Thecla, e então, talvez possa haver alguma razão para se acreditar que a relíquia dos templários e aquela da lenda sejam a mesma. Voragine também registra a lenda que conta que a cabeça de Batista foi enterrada debaixo do Templo de Herodes, em Jerusalém, onde os templários escavaram.
Os templários estão constantemente vinculados ao Graal. A escritora viajante britânica Nina Epton descreve, em seu livro “The Valley of Pyrene” -1955, como ela escalou até as ruínas do castelo de Montréal-de-Sos, dos templários no Ariége, para ver os murais que retratam uma lança com tres gotas de sangue e um cálice, uma imagem que foi, claramente, tomada diretamente das lendas do Graal.
Outra pintura estranha foi encontrada no castelo em Domme, onde muitos templários foram presos. Ean e Deike Begg descrevem uma estranha cena da crucificação na qual José de Arimatéia - segurando uma cruz de Lorraine - é mostrado, a direita, colhendo gotas do sangue de Jesus. Á esquerda está uma mulher grávida e nua que segura uma vara ou bastão.
Existem outras ligações mais curiosas. Em St-Martin-do-Vésuvie, na Provença, que, como vimos, é um centro renomado de Madonas Negras e de locais associados aos templários, há uma lenda que incorpora elementos interessantes da historia do Graal. Afirma-se que os templários foram todos decapitados durante sua supressão – algo que, dada a falta completa de verificação oficial, parece ser extremamente improvável – e que eles amaldiçoaram a terra com mangra. Os homens ficariam impotentes ou estéreis e a terra infértil. Qualquer que seja a verdade sobre esse assunto é um fato histórico que em 1560 o Duque Emmanuel Filibert de Savoy mandou exorcizar a terra, pois essa se encontrava em um estado lastimável. Na verdade, um dos cumes das redondezas ainda é conhecido como Maledia, que pode ser traduzido como doença.
Mas a parte mais significativa desse conto pesaroso é a que vincula a decapitação des templários com a mangra espalhada na terra, dois dos principais elementos do cânone do Graal. Para os escritores de historias do Graal havia algo sobre as cabeças decapitadas, ou talvez a cabeça decapitada que havia trazido a destruição da terra, embora também pudesse representar uma dádiva aqueles a quem ela favorecesse.

As diferentes historias do Graal e as varias correntes existentes podem parecer algo confusas, mas em seu monumental estudo sobre as lendas do Santo Graal, “The Hidden Church of the Holy Grail” -1902, o grande erudito do ocultismo A.E.Waite, destacou a presença de uma tradição secreta dentro do cristianismo que estava por trás de todo o conceito das lendas. Waite foi um dos primeiros a reconhecer os elementos alquímicos, herméticos e gnósticos dessas historias. Embora estivesse certo de que existem fortes indícios sobre a existência dessa “igreja oculta” das lendas do Graal, ele não chega a qualquer conclusão realmente firme sobre sua natureza, mas dá uma posição proeminente àquilo que chamou de “Traição Joanina”. Ele se refere a uma idéia, há muito defendida em círculos esotéricos, da existência de uma escola de cristianismo mística que teria sido fundada por João o Evangelista em base a ensinamentos secretos que recebera de Jesus. Esse conhecimento enigmático não aparece no cristianismo externo, ou esotérico, que se desenvolveu através dos ensinamentos de Pedro. É bastante significativo que Waite achasse que essa tradição chegara à Europa através de Gaul, no sul da França, antes de ter sido filtrada pela recente igreja Celta da Bretanha.
Apesar dos elementos celtas na história do Graal, Waite entende que a influencia joanina nelas presente origina-se no Oriente Médio, via templários. Astutamente, ele não afirma que essa é a única conexão possível, pois não há evidencia conclusiva para isso, mas acredita que essa é a mais plausível. Porém ele tem certeza de que os romances do Graal baseavam-se em algum tipo de “igreja oculta” que estava ligada aos templários.
As historias do Graal também são uma manifestação das idéias nascidas no submundo que estavam circulando na França medieval sob os auspícios dos templários, como o culto das Madonas Negras. A conexão entre os dois é impressionante. Ambos baseiam-se em antigos temas pagãos: as historias do Graal em mitos celtas e o culto das Madonas Negras em santuários dedicados a deusas pagãs. Ambos floresceram nos séculos XII e XIII devido ao contato, através dos templários, com a Terra Santa. Os templários eram um repositório do conhecimento de diversas fontes esotéricas, incluindo alquimia e a sexualidade sagrada. A conexão entre as Madonas Negras, templários e alquimia é assunto de um estudo do historiador francês Jaques Huynen, chamado “L´enigme des Vieges Noires” - O Enigma das Virgens Negras, 1972. É a “ponte” entre suas idéias exóticas e esotéricas, com o mundo cristão de sua época, estava personificado na imagem de uma mulher: Maria Madalena.
A Cruzada que exterminou os cátaro taxando-os de hereges, com certeza não manteve a mesma eficiência contra os muitos bem organizados templários, uma vez que é muito improvável que estes aguardasses humildemente o momento de morrer. Para começar, nem todos os cavaleiros que estavam na Europa foram simultaneamente reunidos naquela sexta-feira, 13. O cataclismo que se abateu sobre a Ordem só aconteceu na França, e mesmo lá alguns cavaleiros puderam escapar. Em outros países aconteceu, digamos, uma escala variável de perseguição e supressão. Na Inglaterra, por exemplo, Eduardo II recusou-se a acreditar que os templários fossem culpados daquilo que eram acusados, chegando mesmo a debater, acaloradamente, essa questão com o papa, recusando-se, terminantemente, de torturar os cavaleiros.
Na Alemanha aconteceu uma cena profundamente hilariante. Hugo de Gumbach, Mestre templário da Alemanha, fez uma entrada teatral no conselho convocado pelo arcebispo de Metz - portando armadura completa e acompanhado de vinte cavaleiros endurecidos pelas batalhas e escolhidos a dedo – e proclamou que o papa era o mal e que deveria ser deposto; que a Ordem era inocente e que seus homens estavam dispostos a resistir militarmente ao julgamento.
Em Aragon e Castela, os bispos conduziram o julgamento dos templários apenas para, no final, inocentá-los. Contudo, a ordem do papa para dissolver a Ordem dos Cavaleiros Templários em 1312 não teve como ser ignorada.No entanto, mesmo na França, relativamente poucos foram executados. Muitos foram libertados depois de se retratarem e em outros países eles simplesmente passaram a usar outro nome, ou uniram-se a outras Ordens já existentes como a dos Cavaleiros Teutônicos.
Fonte: livro “A Grande Heresia” de Lynn Picknett e Clive Prince,
publicado no Brasil por Beca – Produções Culturais Ltda.

Os apelos do Alto continuaram a solicitar a atenção da igreja romana em todas as direções. As chamadas heresias brotavam por toda parte que houvesse consciências livres e corações sinceros, mas as autoridades do catolicismo nunca se mostraram dispostas a receber semelhantes exortações.
Havia terminado, em 1229, a guerra contra os hereges, cujos embates atravessaram o espaço de vinte anos, quando alguns chefes da igreja consideraram a oportunidade da fundação do tribunal da penitencia, cujos projetos de há muito preocupavam o pensamento do Vaticano.
Mascarar-se-ia o cometimento com o pretexto da necessidade de unificação religiosa, mas a realidade é que a instituição desejava dilatar o seu vasto domínio sobre as consciências.
Todavia, se a inquisição preocupou longamente as autoridades da igreja, antes da sua fundação, o negro projeto preocupava igualmente o Espaço, onde se aprestaram providencias e medidas de renovação educativa. Por isso, um dos maiores apóstolos de Jesus desceu à carne com o nome de Francisco de Assis. Seu grande e luminoso espírito resplandeceu próximo de Roma, nas regiões da Úmbria desolada. Sua atividade reformista verificou-se sem os atritos próprios da palavra, porque o seu sacerdócio foi exemplo na pobreza e na mais absoluta humildade. A igreja, todavia, não entendeu que a lição lhe dizia respeito e, ainda uma vez, não aceitou as dádivas de Jesus.
O esforço poderoso do missionário, todavia, se não conseguiu mudar a corrente de ambições dos papas romanos, deixou traços fulgurantes da sua passagem pelo planeta.
Seu exemplo de simplicidade e de amor, de singeleza e de fé, contagiou numerosas criaturas, que se entregaram ao santo mister de regenerar almas para Jesus.
A ordem dos franciscanos chegou a congregar mais de duzentos mil missionários e seguidores do grande inspirado. Eles repeliam qualquer auxilio pecuniário, para aceitar tão somente os alimentos mais pobres e mais grosseiros, e o característico que mais os destacava das outras comunidades religiosas era o seu alheamento aos mosteiros. Em vez de repousarem á sombra de claustros, na tranqüilidade e na meditação, esses espíritos abnegados reconheciam que a melhor oração, para Deus, é a do trabalho construtivo, no aperfeiçoamento do mundo e dos corações.
Fonte: livro “A Caminho da Luz” pelo espírito Emmanuel
e psicografado por Francisco Candido Xavier

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